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quarta-feira, 30 de março de 2011

A família feliz

Alguém já viu os carros com adesivos de família feliz? Claro que sim. Virou moda usar adesivos alusivos com bonequinhos, para apresentar sua família. E vale tudo, até dizer a profissão e que se tem gato, cachorro e peixe no aquário. Há uma infinidade de formas, tamanhos, preto e branco, coloridos. Em síntese, são pessoas sentindo orgulho de dizer como são suas famílias; uma maneira rápida de conhecer uma família e até seu estado de espírito. Penso mais, é um resgate de algo que parecia perdido. Eu não tenho no meu automóvel, mas acho bem legal quem aderiu à moda. Para ser sincero, não gosto de adesivos, só deixo o do óleo à vista, para não me esquecer da troca.

Vi numa emissora de TV local, uma reportagem, onde a polícia recomenda que as pessoas não usem os tais adesivos; alegando que assim ficam expostos (a família), vulneráveis e se tornam presas fáceis de bandidos. Confesso que não me convenci da assertiva, quando ouvi a capitão da polícia militar dando entrevista. Até hoje, não ouvi notícias que alguém, ou alguma família, tenha sido sequestrada ou violentada porque o bandido chegou até ela pelos tais adesivos. Pura balela. No mundo de 2011, as maiores exposições que fazemos de nós mesmos estão nas redes sociais espalhadas pelo universo virtual. Colamos fotos, anunciamos negócios, festas, ostentamos e dizemos que estamos felizes. Dificilmente alguém irá usar uma rede social para dizer que ficou pobre e que não tem dinheiro. Vivemos a era das exposições exacerbadas e do parecer, como já disse em outra crônica. Bandidos, quando querem, também abrem páginas na internet para facilitar o seu trabalho.

Nesta coisa de retratos de família, tenho saudade dos tempos em que os fotógrafos (lambe-lambe) batiam de porta em porta oferecendo para fazer o retrato da família (em branco e preto). Aquilo virava um quadro e ia parar na melhor parede da casa – até amarelar pelo tempo. Orgulho e honra dos valores familiares – assim creio. Sempre o patriarca em pé ao lado da mulher e os filhos sentados em cadeiras. Conheço uma família, que mora nos EUA há anos; um dia me mostrou o álbum de fotografia da igreja que frequentava, lá na cidade onde moravam. Como os católicos nos EUA estão em número menor, é fácil conhecer cada membro da igreja e fazer álbum. O álbum não era individual, era da família, com os nomes e o endereço no rodapé. Achei bem legal. Assim, todos ficam sabendo quais são as famílias que frequentam aquela igreja e o pároco; depois podem se conhecer e marcar encontros se quiserem.

Enfim, chegamos no tempo, pela ordem da polícia, onde não é bom ficarmos dizendo de onde viemos, a família que temos e de quem gostamos. Os bichos de estimação, cachorros, gatos, papagaios e peixinhos de aquário; tudo ficou perigoso mostrar. Se tivermos filhos pequenos, então, nem pensar! Diante dessa tal proteção, faremos o quê? Vamos nos entrincheirar em nossas casas cercadas de grades, muros altos e aparatos de segurança? Cadê as brincadeiras de rua? Cadê a boa vizinhança? Cadê retratos de família na sala? Cadê a liberdade? Até quando ficaremos refém desse mundo?

Se algum meliante seguir alguém na rua, com certeza, não será pelo adesivo de sua família, mas talvez, pelo modelo e ano do veículo que ostenta. Portanto, continue usando os adesivos. Não há nada de mal em querer mostrar sua família, até para bandidos.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / março de 2011

terça-feira, 22 de março de 2011

A maior do interior


O escritor Luís Fernando Veríssimo, numa de suas crônicas, descreveu e justificou dez razões para o milionário Eike Batista dar parte de sua fortuna a ele. Fiquei pensando depois, quais seriam as minhas razões, ou como seria se fosse o oitavo na lista dos milionários do mundo. O que faria com tanta grana? Se é que preciso de tudo isso... Se estivesse apaixonado, talvez, desse muitos presentes a minha amada; cobriria sua rua com pedrinhas de brilhantes. Mas, preferiria não estar, senão acabaria ficando pobre e sem ver a cor da grana. De verdade, se não tivesse nenhuma paixão, acho que faria um bem à humanidade. Doaria em uma campanha universal pelo amor no planeta. Meu dinheiro renderia muito mais, com certeza; mais do que uma aplicação na bolsa, ou se comprasse uma cidade inteira para morar.

Esta coisa da paixão que se junta com dinheiro nos cega por muito. No futebol também há paixão, ou o futebol é sinônimo de paixão. Um torcedor certa vez me disse: se tivesse uma sorte na megasena, construiria uma grande arena de futebol para o seu time de coração – paixão de torcedor. E por ela ficamos até doentes, um sentimento que nunca acaba. Deixamos casamentos, namoros, amizades, mas a paixão pelo time, esta nunca morre; vai junto conosco e com a bandeira sobre a urna. Há pessoas que não entendem. Eu entendo até certo ponto, quando não se torna loucura de se ridicularizar por qualquer coisa: brigas, discussões e inimizades. Mesmo assim, fiquei surpreso com sua resposta. Cada um teria algo a fazer diante de tamanha fortuna, ele pensou no seu time de coração. Justo.

Chego a me emocionar quando me deparo com esta relação de afeto entre futebol e o torcedor. Vivo o futebol, torço, vibro e quando meu time perde fico irado, mas na manhã seguinte tudo já passou; vivo no limite de não adoecer por isso ou perder a fome. Adoro estádio de futebol, aquele clima, aquela emoção que só quem já foi sabe o que é. A torcida entusiasmada, cantando e gritando uníssono, empurrando o time a todo o momento, é de arrepiar.

Já confessei que sou palmeirense desde criança, mas tenho um segundo time na manga – quando um não ganha, fico feliz com o outro. Há lugar no peito para um segundo time? Afirmo que há sim! O time da minha cidade luta para retornar ao staff do futebol paulista. Já são mais de 12 anos que o São José EC peleja para voltar à elite do futebol. E se fosse pelo tamanho e pela paixão de sua torcida, o time já estaria lá. Cronistas esportivos dizem que ela é o grande patrimônio do clube; e ela se orgulha em dizer: é a maior do interior! Mas, como em toda competição na vida, tem os tempos de lutas até a batalha final e o triunfo. E é isso que temos feito: os jogadores em campo e nós nas arquibancadas.

No ano passado, num desses memoráveis dias de vitórias e estádio lotado, fui chamado pelo torcedor Guilherme Miranda - arquiteto, companheiro de arquibancada e dono do Blog Torcedor da Águia (Clique aqui) - a fazer uma música em comemoração ao aniversário do seu Blog. A encomenda era uma música que homenageasse – merecidamente - a torcida. É de praxe que, todos os times de futebol tenham um hino; mas uma torcida que tem hino, era a primeira vez. De vez em quando, eu me arrisco a escrever letras de músicas, é minha contribuição nas parcerias. Mexo no violão, para algumas raras peças que não me deixam rubros de vergonha, mas na hora de compor, com notas e acordes, não sai nada – já tentei. Então, aguardei meu parceiro de música retornar de viagem para compor, iniciarmos o processo. Enquanto ele não vinha, rascunhei uma letra. Quanto retornou de viagem nos encontramos, e a música saiu no mesmo dia. Dei o nome da marchinha (de carnaval) de “Torcida Águia do Vale”. A letra é uma volta no tempo, da paixão  que nasceu desde o preto e branco para o azul e branco de sua camisa; do formigão do vale para a águia; e do seu inesquecível herói do acesso de 1980, Tião Marino - aquele que, dentre os jogadores de futebol depois de Dadá Maravilha, era o único que “parava no ar” para cabecear uma bola. A letra e o vídeo, agora disponíveis no youtube – com os créditos do Renato Emanuel - já contam com mais de 850 acessos. A voz é de Eduardo Borges e Mima Barros.

Esses torcedores não deixam de se apaixonar nunca; e enquanto o time não subir, será assim: uma música atrás da outra e um grito só: vai São José!

Torcida Águia do Vale
(Eduardo Borges / Anttonio Buarque)
11/10/10

Eu vou, eu vou, eu vou cantar gritar
O manto azul é a nossa cor
O manto azul é o nosso amor
Torcida águia do vale
A maior do interior

Desde o tempo do “formigão”
Do preto e branco fez o azul
Vimos nascer, crescer uma nação
De leste a oeste, de norte a sul

O amor por ti vem das vitórias
Nossa torcida em ti constrói
Esta camisa tem história
Tião Marino, o nosso eterno herói

Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe Águia
Enche de orgulho o nosso coração
(com luta e garra de campeão)
“Tá na rede” é gol!
Uma explosão

FINAL (só com palmas)

♫ Sou joseense com muito orgulho,
Com muito amor... ♫



© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / março de 2011.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Paixões de Outono


Já me manifestei em outra crônica - Nesta manhã de primavera... - minha predileção pelas estações com climas mais amenos. O verão e o inverno são estações rudes, extremistas e irritantes para o corpo: muito quente ou muito frio; interferindo também em nossas decisões. Ouso dizer: o clima influencia mais em nossas vidas que a astrologia – para aqueles que acreditam. As mudanças climáticas apaziguam ou incomodam, na medida que sentimos; mexe com nosso corpo, altera o sono, mexe com o apetite, com o humor; e estes respondem com decisões sobre a vida.

Isto também está nesta estação que se inicia – o outono. Nestes dias, com este friozinho, mangas longas e banhos mornos, nos remetem ao aconchego, ao casulo, à cabana; faz-nos mais carentes de colo e de cafuné na cabeça – como é bom... O calor já se foi e já não dá mais praia, o carnaval já passou, as folhas caem e o ano, de fato, já começou. Tenho esta teoria já faz tempo, de acreditar que o outono é a estação onde mais nos apaixonamos. O pavor com a chegada do inverno e de não ter ninguém no calcanhar, para aquecer nossos pés, torna-nos mais fragilizados e vulneráveis às paixões. Permitimos e nos apaixonamos mais. Em 2005, escrevi um poema sintetizando tudo isso (poema não se explica, já disse Ferreira Gullar). “Paixões de outono” é um convite ao recolhimento, à paixão que bate no peito querendo entrar. Permita-se, então, se vem para ficar - muito além do outono.

Paixões de outono

Outono, outono...
Nunca me dei conta
Como instável era a paixão
Marolas de mar
Balanços das ondas
Suspiros no fim do verão
Passeios à tarde
Taças de vinho ao luar
Rubros no céu de abril
Amores sem dono
Extraídos de um conto
De outono

Outono...
Nunca me dei conta
Dos dias que passei
Em frente aos olhos
Que vi naquele olhar
São coisas de outono:
As noivas de maio
Fogos de junho
Festas de encontros
Rodas de carruagem
Levam histórias, viagens...
Levantam folhas caídas
De igual abandono
De outono...

E nem me dei conta
Do amanhecer de orvalho
Quantas constelações
Estrelas milhares
No jardim daqueles olhos
Vinham em navios
Invadiam noites afora
Saqueavam meu sono
Num encanto
De quase outono

Ah, quando me dei conta
Já hospedava no peito
Mais nova paixão
Navios, estrelas, folhas...
Depois deste outono
Ninguém mais ouse dizer
Que seus olhos
Agora, já não tem mais dono

Antonio - 19/05/2005

segunda-feira, 14 de março de 2011

Janeiro

Hoje é dia da poesia. Encontrei esta do meu pequeno baú literário. Poemas não são feitos para serem explicados, mas para serem sentidos.



Quando ela olhou para trás
Eu vi sua face se esmaecer
Na curva de estrada
Nossa estrada, estrada...
Os anos se foram
Poemas rasgados
Canções furtadas
Janeiros afins
Eu sei...

Nos passos enluarados
Fui de encontro ao mar
Nas preces que me vinham
Em nome do nosso amor
Lânguido meu olhar ficou
E deixei-me na praia
Um corpo estirado
Eu nem sei por que de tudo
Deixamos de amar por nada
Sei que sem ela e ela sem eu
Na curva da estrada
Nossa estrada, estrada...

Vi um janeiro tua pele
Bronzeada árida
Tudo o que ficou
Entornou um mar em mim
Tuas queixas em vão
Onde foi parar meus versos
Arraste um janeiro
Sobre a minha canção
Um poema encomendado
Não pode ser convertido
Na palavra da alma
Não tem origem, nem fim
Um poema encomendado
Não pode ser entregue
Identificado contigo
Mas assino embaixo:
Você é meu amor.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / 2007.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Sinais e... Truco!

Segue abaixo um texto antigo, mas que não se perdeu com o tempo. Afinal, os sinais estão aí. Juntando sinais e truco pode-se dizer algo sobre a vida também. Nesta época, eu jogava muito truco, depois fui deixando de jogar até parar. Mas não perdi o jeito. É só chamar que eu vou.

Quem joga truco já ouviu muito isso: Truco! Seis! Nove! Doze! O truco é o jogo do gangolino, do blefe, dos sinais, da sorte e, do azar também. Popularmente é o maior jogo de cartas do Brasil. Digo isso porque não conheci ninguém que já não tenha jogado ou pelo menos tentado jogar truco. Minto, no Rio de Janeiro não se joga truco. Dizem por lá que é jogo de paulista. Na verdade, aqui em São Paulo, Minas, Mato Grosso e Goiás é costume se jogar truco em rodas de amigos e torneios. Claro que, de região para região há variações das regras. Aqui em São Paulo jogamos a regra do “ponto acima”.

Aprendi a jogar truco vendo meu pai jogar com seus amigos. Ali, ao lado da mesa eu ficava prestando atenção em tudo. Meu pai jogava quase todas as noites e sempre que o jogo não era em casa eu ia com ele, onde fosse. Achava divertido os desafios e blefes, embora não entendia muito. Naquele tempo se jogava a versão antiga ou como chamamos hoje de “manilha velha”. As cartas, por ordem de valor, são quatro de paus (zap), sete de copas, “As” de espada (espadilha) e sete de ouro (pica fumo). Hoje, jogar manilha velha não tem graça, s cartas facilmente ficam marcadas; ninguém joga mais, só os mais antigos.

Depois aprendi a jogar a regra do “ponto acima”. Muito mais difícil de jogar e mais difícil de “roubar”. O jogo dos gangolinos requer astúcia e perspicácia para ser um bom jogador e principalmente atentar aos sinais do parceiro. Você tem que conhecer muito bem os sinais do teu parceiro e ele os teus. O olhar fixo, a ligeireza e a malandragem evidenciam que jogar truco é muito mais no blefe do que na sorte das cartas que você tem nas mãos. Se tornando para muitos um vício. O dom de dar o sinal ao parceiro é tudo ou quase tudo no jogo de truco.

Fiquei muito tempo sem jogar. Para ser sincero, tive asco ao jogo. Quando fazia faculdade de Arquitetura era comum as mesas de jogatina entre um projeto e outro. Via muita gente deixando de estudar para jogar. Não que eu fosse um “caxias”, mas aquilo, todo dia me irritava. De lá para cá não joguei mais. Recentemente voltei a jogar, embora um tanto despretensioso, sem vontade nenhuma de alcançar o sucesso com medalhas e troféus; somente para passar o tempo, brincar e dar boas gargalhadas.

Num desses jogos aconteceu algo que me fez refletir a escrever estas linhas. Já na primeira partida, como de costume, ao receber as minhas 03 cartas olhei para o meu parceiro e dei um sinal. Como? Na hora me veio a vontade de encher as bochechas rapidamente para dizer que minhas cartas estavam horríveis. No sinal do truco, isso quer dizer o contrário e, ao contrario ele entendeu. Pensou ele, meu parceiro está cheio, entupido de cartas, tem “casal maior” na sua mão... Confiante no sinal, meu parceiro, se acomodou melhor na cadeira e disparou um truco, sem pestanejar. Do outro lado, nossos adversários levantaram e quase subiram em cima da mesa para gritar um sonoro SEIS!! Olhei para meu parceiro e fiquei sem entender nada, já que nada havia na minha mão. Fugimos rapidinho e passamos o baralho.

A pecha me serviu de lição e me chamou atenção a importância que devemos dar aos sinais, em tudo na vida. Vivemos a emitir e receber sinais pela vida inteira. Aprendemos desde o berço a ser usuário dos sinais. Observamos isso claramente quando uma criança é estimulada a pular no colo do pai, apenas pelos gestos e o sinais do olhar feliz do pai. Sem ter noção de distancia ou a altura, se jogam no espaço, sem medo e confiantes. Os surdos e mudos não se socializariam se não conhecessem os sinais de libra que usam constantemente, até para pedir comida. Ao guarda de trânsito colocamos nossa confiança e através de seus gestos e sinais nos orientamos. Assim, como meio substancial na vida humana, devemos acreditar nos sinais que o universo nos emana? Basta olharmos para o mundo que encontramos; a cada dia deparamos com manifestações na natureza, no meio ambiente e no comportamento do próprio homem. São os sinais do tempo, diriam, mas aqui não no sentido apocalíptico e, sim na pura verdade que há sinais demais no mundo para acreditarmos significativamente que mudanças vem em pencas; e tudo que emitimos devendo ter a absoluta credibilidade, o universo não se engana. No mundo que nós inventamos e mantemos, não vivemos sem estabelecer uma comunicação através dos sinais. Com Deus, fazemos o sinal da cruz. O sinais dos tempos, sinais dos corpos, sinais de trânsito... Tudo nos rege.

Depois do meu vexatório início, quer saber como terminou aquele dia do truco? Eu e meu parceiro ganhamos as 7 partidas seguintes, claro, com muita atenção aos sinais. Os mesmos sinais da vida.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / 07/Agosto/2008.