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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Quase sem querer


Sou comedido e, por muitas vezes, me abstenho a dar título que não está na biografia das pessoas, ou atribuir algo que não são. Nessa, posso confundir o motorista com o cobrador; o garçom com o maître; o empregado com o patrão. Assim também, há como discriminar a inteligência da sabedoria, a honestidade da competência — cada qual na sua frase e contexto. Por muito tempo, atribuíram a Renato Russo o título de poeta; um poeta do cancioneiro popular. Não, ele era um bom letrista de música e só. Já disseram o mesmo de Vinícius de Moraes e Bob Dylan. Vinícius era poeta quando fazia poesia, e letrista, quando sentava, com seu parceiro Toquinho, para compor canções. As poesias são outras palavras e têm a sua própria musicalidade — desprovida de instrumentos e harmonia musical.

Mas voltando a Renato, lembro-me dele escrevendo coisas lindas na sua curta carreira. Letras que se encaixaram em harmonias musicais como vagões nos trilhos; hinos que ecoaram no grito da juventude daqueles anos 80 — a geração coca-cola. Tem uma em especial que gosto: “Quantas chances desperdicei / Quando o que eu mais queria / Era provar pra todo o mundo / Que eu não precisava / Provar nada pra ninguém...”. Precisou Renato dizer isso, para todo mundo começar a não ter que prestar contas da vida a ninguém. Eu também me apeguei ai. Renato expressou nesta letra, seus dramas e conflitos pessoais. Desperdiçou oportunidades para provar que não precisa de provação nenhuma. Chorou suas melancolias e se libertou: não preciso provar minhas qualidades ao mundo, elas estão aí. Desabafou.

Nossa sociedade é cruel, há cobranças com provações a todo o momento — explícita ou muitas vezes velada —, que tenhamos sucesso em tudo na vida: ter corpo sarado, ter carro do ano, frequentar os melhores lugares, ter imóvel próprio, ter alguém especial, ter filho na melhor universidade, viajar nas férias para o exterior, obter vantagens em negócios e ter dinheiro aplicado na bolsa. Obrigam-nos a alcançar o auge, como se todo sucesso (a felicidade) fosse medido pela régua social das conquistas que nos coloca acima de tudo e de todos — o cume do mundo. Vivemos inconscientes, a provar que nós somos especiais para o mundo; e por consequência, deixamos de lado a nós mesmos e à família de onde viemos — nossos verdadeiros valores.

Nem todos os jogadores de futebol serão fenômeno, mas o futebol precisa de todos para existir. Há pessoas de sucesso que não aparentam; são quietas e não se mostram. Há pessoas satisfeitas, felizes e nem por isso, serão reconhecidas quando saírem à rua. Essas não precisam provar nada para ninguém e não desperdiçam vida para ser o que não são. Hoje, dou valor às pessoas pelo que elas viveram, pelo seu caminhar e não pelo que elas têm ou aparentam. Aprendi a viver com o pouco, e assim me encontro com mais frequência na felicidade, nas minhas andanças pelas aldeias e cidades. O mais importante do caminho é o caminhar.

Numa entrevista, que divulguei do médico psiquiatra Roberto Shinyashiki, ele afirma que vivemos os tempos da valorização do parecer, das aparências. A mentira como método de sobrevivência, nesta sociedade que pune, por falsa moralidade, a quem não está no staff social dos bem sucedidos. “Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser, nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem.” — disse Shinyashiki.

É a vida solapando seu próprio dono; a todo tempo construindo um perfil falso de si mesmo — numa confusão existencial. Vai se encontrar lá na frente na frustração e na depressão. Aí, vem Renato nesta mesma música e endossa: “Que mentir pra si mesmo / É sempre a pior mentira”. Os escritores Barbara e Allan Pease dizem que mentimos por duas razões: evitar a dor ou obter um ganho. A primeira é a mais branda, pois todo mundo mente para minimizar a sua e a dor alheia; a segunda talvez seja a que mais esteja na moda. Mentimos para obter sucesso e ter aparência que somos bem quistos. Num de seus livros, a escritora Lya Luft, diz: “Por isso a palavra, o abraço, o olhar, o momento de atenção, são infinitamente mais importantes do que o cartão de crédito, o compromisso, a viagem, o novo cargo”. Quando vivemos a aparência, também está na mesma oração, os objetos da vida que servem a ela: a mentira, a hipocrisia e a falta de humildade. Vamos nos apegar a isso e nos esquecer de outros gestos que fazem nos tornar tão próximos. É de surpreender ao ver pessoas bem sucedidas socialmente, serem humildes também.

Vi recentemente o filme “O discurso do rei”. Achei genial. Na trama vemos duas figuras antagônicas: um candidato à realeza inglesa, George VI (Colin Firth), uma pessoa fraca e com limitação imposta pela sua gagueira, desde os 04 anos; e um médico (Geoffrey Rush), um sujeito despretensioso, perspicaz, sem nobreza, mas com os pés no chão. O médico ajuda o rei a resolver seus problemas, invadindo sua intimidade e atingindo seu psiquismo. Como imaginar que uma pessoa poderosa — um rei — tenha suas frustrações, medos e limitações? Somos todos iguais, precisamos da humildade para assumir nossas limitações e viver o que somos de verdade, de carne e osso; assumir nossas raízes, de onde viemos; e os caminhos, que abrimos com as ferramentas que temos. Construiremos nossa canoa com as madeiras que dispomos. Navegaremos — rio abaixo ou rio acima — sendo nós mesmos, sem mistérios, sem sentimentos de derrotas, sem provar nada que não seja nosso braço e nossa força.

Vão dizer isso ou aquilo sempre de como alcançaremos nosso sucesso pessoal — as cobranças. Não dou provações e me calo. As palavras internas vão caindo: preste atenção no seu foco e na estrada; vivemos a repetir tudo para um dia aprender, de fato. “Sei que às vezes uso palavras repetidas, mas quais são as palavras que nunca são ditas?” — de Renato Russo, quase sem querer.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / fevereiro de 2011.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Outras palavras

Meu psicanalista de cabeceira — Flávio Gikovate — sempre afirmou que, sexo não tem nada a ver com amor. Embora, romanticamente, falamos que fazemos amor quando, na verdade, fazemos só sexo. Porém, nada impede que façamos sexo com quem amamos — o que seria o ideal.

Vira-e-mexe, as palavras vão tomando lugar uma da outra, e esta perdendo o sentido, quando queremos expressar o que sentimos ou que desejamos. Tudo se confunde. Isto não ocorre com os extremos, com as antagônicas. Mas muitas palavras, pelas suas aproximações, vão tendo outras conotações que se perdem com o tempo. Até mudar inteiramente de sentido. Nem sempre elas tem a etimologia direta para explicar suas origens. As gírias, por exemplo, nascem no meio das conversas reservadas de grupos sociais, e quando cai no gosto popular, se espalham por aí como rastilho de pólvora.  Outro dia, perguntei se alguém sabia de onde vem a palavra "ataia", muito usada em Minas. Uma pessoa me disse: é uma derivação de atalho, atalhar. Quer dizer atalhe a conversa, encurte, seja breve. "Ataia Zé!" No popular mineiro virou "ataia".

No início da década de 1970, usávamos a palavra "transar" para dizer "curtir"; no dicionário, diz ser uma gíria em substituição das palavras ajustar, combinar, tramar, cuidar de, dedicar-se a. Era como se usava naquela época. Lembro de Elis Regina usando muito o termo "transei" isso ou aquilo nas suas entrevistas. Hoje "transar" ainda continua no sentido da gíria inventada a época, mas de maneira pejorativa só para  ajustar com alguém no sexo, combinar com alguém no sexo, dedicar-se a alguém no sexo. Ou seja, fazer sexo.

Até o início da década de 1980, ainda era assim usada, numa novela que se chamava Transas e Caretas. Vai botar o nome de qualquer coisa hoje de Transa, lá vem sexo na mente.




Postado por Antônio - Fevereiro 2011

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Almas perfumadas - o amor, o tempo, o vento...


De fato, não há vida só no plano. Entre montanhas e planícies, altos e baixos, construímos nossos estreitos caminhos. Contudo, quando a idade bate à porta, junto as más lembranças dos naufrágios, aprendemos que, o importante é saber lidar com tudo isso; se conhecer, posicionar o leme e navegar sem medo: hoje eu estou bem, nada me tira do prumo...

Fico altivo, quando minha autoestima se espalha pelo dia como um raio de sol: riso fácil, encontros, amigos, piadas, chope, um bocado de bom humor – a felicidade. Já, quando estou no andar de baixo do meu intimo – faz tempo que não visito - fico mais calado, pensativo, introspectivo e observador com tudo ao redor. Sem gritos, de acordar vizinhos ou causar perturbação alheia. Espero passar, e passa.

Há 12 anos, como fazia todas as manhãs, aportei numa padaria perto da minha casa para tomar meu café. O café da manhã sempre foi sagrado no meu dia a dia. E lá, entre uma mordida no pão, um trago no café e umas olhadelas no telejornal matutino, o pensamento viajava longe e tudo que me incomodava naqueles dias vinham em gotas na minha mente – o andar debaixo. Nessa mesma manhã, adentrou de mãos dadas um casal de velhos; ou, como é correto se dizer hoje, de idosos. (Gosto de dizer velhos.) Pela quantidade de cabelos brancos que cobriam suas cabeças, as fendas profundas nos rostos e os passos lentos — como se os pés se agarrassem ao chão —, eles aparentavam ter mais de 80 (depois dessa idade, diz ser ancião). Sentaram-se ao balcão bem à minha frente. A partir daí comecei a observar seus movimentos, ou seus quase não-movimentos; velhos não chamam atenção, mas algo atiçou meus olhos naquela manhã de inverno. Desde quando chegaram não falaram nada um com o outro. Ele só dirigiu a palavra ao balconista para pedir o café, o seu e o dela. Sem perguntar nada a ela, ele disse: “café com leite, um pedaço de bolo e um suco de laranja coado”. Ali ficaram, comendo em silêncio, sem se olhar. Quando ele percebeu que ela já havia também terminado levantou-se com a comanda na mão, e ela o seguiu. Até ao caixa, ainda deu tempo de segurar na ponta dos dedos da companheira. Pagaram e foram embora no mesmo silêncio, de mãos dadas e com os pés presos no chão, de velhos que eram. A partir desse dia, passei a refletir sobre a comunicação pelo silêncio das almas perfumadas.

Meu médico, sempre me recomenda os exercícios físicos para melhor minhas taxas de colesterol; elas teimam em me acompanhar já há alguns anos. Já lhe disse que não me pertencem, mas elas insistem, e não me largam do pé (do meu sangue)... Agora, já depois de outros esforços com dieta, tenho me dedicado às caminhadas de fim de tarde — e assim sigo, chutando as doenças para longe. Quando não há companhia, vou com o fone no ouvido. Caminho, penso e observo. Recentemente, tenho visto um casal de velhos, também caminhando no mesmo parque — em sentido contrário. O caminhar também é lento — com os pés presos ao chão — e também sem dizer uma palavra. Tudo igual. Voltas, voltas e calados; ouvindo somente as batidas do coração e o gorjear dos passarinhos que se aglutinam na copa das árvores. Um silêncio incomum, pois as pessoas que caminham juntas acabam exercitando também a língua. Quando os vejo irem embora, o silêncio vai junto; já fora do parque, ela enlaça em seu braço e vão para casa. Tudo em total silêncio.

“És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo Tempo Tempo Tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo Tempo Tempo Tempo” (Caetano Veloso)

Quando caminhamos para velhice, nossas células vão morrendo de forma acelerada, e sem nunca fazermos um funeral a elas; a cada dia enterramos milhares delas, sem saber. É como se diz: morrer aos poucos. Por causa desse falecimento amiúde, diminui a ligeireza das pernas, das mãos e os sentidos vão ficando menos aguçados: próteses, óculos de grau, aparelhos de surdez, etc. A memória longínqua permanece assaz, lembrando lugares, cores e pessoas da infância; enquanto os últimos quinze minutos são esquecidos. Onde deixei meus óculos? As únicas coisas que crescem com o envelhecimento são as orelhas e o nariz — dizem.

Mas, na senilidade, é o amor que nunca morre; torna-se célula viva que não corrói com o tempo e como chama que não se apaga. Depurado em porto seguro, o amor sobrevive às intempéries da vida como uma rocha à beira mar. Já li por várias vezes que amar é uma decisão e não um sentimento. Na senilidade decidimos pelo amor; sem abandono, sem palavras duras, sem tréguas, sem cobranças — no silêncio. Não há mais o que falar; não há mais o que alcançar; nem o que pensar, sentir, reclamar, julgar, profanar, maldizer e provar. O tempo urge. O tempo é assim, faz o amor se condensar, purificado pelo filtro da alma; criam-se ramos e raízes que se aprofundam na terra e sustentam a ponta da vida sobre os ombros já arqueados. Fala-se sem palavras, fala-se no silêncio do coração, fala-se nos olhares, fala-se nos gestos de bondade e se acolhe nos braços, quando se cai. E quando não, transpassa  a morte e vai além da vida.

“As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...”. (Mário de Andrade)

Lembro, então, das flores do quintal. A polinização é um fenômeno da natureza que acontece quando as flores se reproduzem; é o transporte do pólen que fecundará formando nova espécie. O vento se encarrega de levar as sementes (o amor ao vento) para que se fecundem em outro solo e desnude outra flor igual; e outra flor fará o mesmo, infinitamente... Sem nenhuma ação humana. Assim, também precisamos de elementos naturais para fecundar o nosso amor na alma. O tempo fecunda o amor quando já não vemos mais estrada para caminhar e o corpo range; quando ninguém nos vê mais com beldade; quando ninguém mais se interessa por nós; e nem a vida nos quer mais — só o amor nos anseia. O tempo é o vento para nós, aquele que transporta o amor para a terra fértil; o tempo conduz os caminhos para que os laços eternos se estreitem. No silêncio das palavras, na quietude como broto de flor. O amor é mais bonito e precioso quando envelhecemos. Quando as almas ficam silenciosas e perfumadas.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / fevereiro de 2011.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Bons conselhos

Meus Caros,
O meu próximo texto — ainda no forno — fala sobre idade, velhice e amor. À propósito, por coincidência, acabei de receber um e-mail com alguns "bons conselhos" de quem já chegou lá... Achei interessante em postar aqui e compartilhar com todos.

Escrito por Regina Brett, 90 anos de idade, assina uma coluna no The Plain Dealer, Cleveland, Ohio.

"Para celebrar o meu envelhecimento, certo dia eu escrevi as 45 lições que a vida me ensinou.
É a coluna mais solicitada que eu já escrevi."
Meu hodômetro passou dos 90 em agosto, portanto aqui vai a coluna mais uma vez:

1. A vida não é justa, mas ainda é boa.
2. Quando estiver em dúvida, dê somente o próximo passo, pequeno .
3. A vida é muito curta para desperdiçá-la odiando alguém.
4. Seu trabalho não cuidará de você quando você ficar doente. Seus amigos e familiares cuidarão. Permaneça em contato.
5. Pague mensalmente seus cartões de crédito.
6. Você não tem que ganhar todas as vezes. Concorde em discordar.
7. Chore com alguém. Cura melhor do que chorar sozinho.
8. É bom ficar bravo com Deus Ele pode suportar isso.
9. Economize para a aposentadoria começando com seu primeiro salário.
10. Quanto a chocolate, é inútil resistir.
11. Faça as pazes com seu passado, assim ele não atrapalha o presente.
12. É bom deixar suas crianças verem que você chora.
13. Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem idéia do que é a jornada deles.
14. Se um relacionamento tiver que ser um segredo, você não deveria entrar nele.
15. Tudo pode mudar num piscar de olhos Mas não se preocupe; Deus nunca pisca.
16. Respire fundo. Isso acalma a mente.
17. Livre-se de qualquer coisa que não seja útil, bonito ou alegre.
18. Qualquer coisa que não o matar o tornará realmente mais forte.
19. Nunca é muito tarde para ter uma infância feliz. Mas a segunda vez é por sua conta e ninguém mais.
20. Quando se trata do que você ama na vida, não aceite um não como resposta.
21. Acenda as velas, use os lençóis bonitos, use roupa chic. Não guarde isto para uma ocasião especial. Hoje é especial.
22. Prepare-se mais do que o necessário, depois siga com o fluxo.
23. Seja excêntrico agora. Não espere pela velhice para vestir roxo.
24. O órgão sexual mais importante é o cérebro.
25. Ninguém mais é responsável pela sua felicidade, somente você..
26. Enquadre todos os assim chamados "desastres" com estas palavras 'Em cinco anos, isto importará?'
27. Sempre escolha a vida.
28. Perdoe tudo de todo mundo.
29. O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.
30. O tempo cura quase tudo. Dê tempo ao tempo..
31. Não importa quão boa ou ruim é uma situação, ela mudará.
32. Não se leve muito a sério. Ninguém faz isso.
33. Acredite em milagres.
34. Deus ama você porque ele é Deus, não por causa de qualquer coisa que você fez ou não fez.
35. Não faça auditoria na vida. Destaque-se e aproveite-a ao máximo agora.
36. Envelhecer ganha da alternativa -- morrer jovem.
37. Suas crianças têm apenas uma infância.
38. Tudo que verdadeiramente importa no final é que você amou
39. Saia de casa todos os dias. Os milagres estão esperando em todos os lugares.
40. Se todos nós colocássemos nossos problemas em uma pilha e víssemos todos os outros como eles são, nós pegaríamos nossos mesmos problemas de volta.
41. A inveja é uma perda de tempo. Você já tem tudo o que precisa.
42. O melhor ainda está por vir.
43. Não importa como você se sente, levante-se, vista-se bem e apareça.
44. Produza!
45. A vida não está amarrada com um laço, mas ainda é um presente.

Postado por Antônio - Fevereiro de 2011