BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Lei do Happy hour


Final de ano chegando e começam as maratonas para os freqüentadores de botequins. A famosa via-sacra. Todo dia um bar  diferente, com todo mundo "junto e misturado". Confraternizações com amigos secretos (ocultos) e bebemoração. Tudo para celebrar a vida e mais um ano que passou.
Então, para o bom freqüentador, valem também as regras. Em 2009, elaborei a Lei do Happy hour para meus colegas de trabalho. Assim, ninguém  poderá dizer que infringiu as regras e foi punido sem saber.



LEI COMPLEMENTAR N°001


DE 24 DE OUTUBRO DE 2009.
Dispõe sobre as regras para adeptos e freqüentadores de HAPPY HOUR e reuniões etílicas após o expediente de trabalho e dá outras providências.

Art. 1° - Para efeito desta Lei Complementar, considera-se “HAPPY HOUR” (HH), a reunião etílica em bares, botequins ou similares dentro do perímetro urbano do município - após o expediente de trabalho e sem banho tomado; para fins de consumo e degustação de bebidas alcoólicas fermentadas e/ou destiladas;

Art. 2° - Ficam convocados para os Happy hours todos os funcionários públicos da autarquia direta ou indireta, estagiários e membros de conselhos;

Art.3º - Preferencialmente os Happy hours serão às sextas-feiras e vésperas de feriados, com inicio á 18h e sem horário para término.
Parágrafo primeiro: Eventualmente os Happy hours poderão acontecer em outros dias da semana, desde que seja publicado com antecedência no DOU e comunicados aos seus funcionários adeptos.
Parágrafo segundo: O intervalo entre um Happy hour e outro será de 15 dias, salvo os dias que caem em feriados municipais e nacionais.

Art.4º - Os bares, botequins e similares deverão ser escolhidos antecipadamente até 03 dias antes do Happy-hour.
Parágrafo único: Os locais deverão ser alternados a cada Happy hour, admitindo-se uma repetição a cada 06 meses;

Art.5º - É tolerado ao funcionário adepto do Happy hour o atraso nas reuniões de no máximo 15 minutos, salvos os casos por motivos de força maior. A permanência mínima será de 02 horas;
Parágrafo único: Os atrasos não justificados serão punidos com multa e a reincidência poderá ocorrer em eliminação do quadro de funcionários adeptos;

Art. 6° - Ficam proibidos nos dias de Happy hours:
I. Agendar compromissos depois do expediente;
II. Ir à baladas, festinhas no dia que antecede ao Happy-hour;
III. Ir à academia, cinema, estádios de futebol;
IV. Ir a velórios ou cultos religiosos;
V. Marcar festas de aniversários de filhos;
VI. Marcar reuniões de bairros, SAB´s e outras reuniões de trabalho;
VII. Ir à shopping com marido ou esposa;
VIII. Ir ao cabeleireiro e salão de beleza;
IX. Ingerir remédios antidepressivos e outros.

Art.7º - Fica proibido levar às reuniões, maridos, esposas, namorados e namoradas e outros acompanhantes chatos, babacas e que, além de não beber, detestam seus colegas de trabalho;

Art.8º - Fica permitido ao término de cada reunião, o consumo, em doses mínimas, de outros tipos de bebidas não-alcoolicas;

Art.9º - O funcionário adepto ao se ausentar antes do término do Happy hour deverá deixar paga a quantia mínima de R$30.00 (trinta reais), que ficará com quem estiver na extremidade da mesa;
Parágrafo primeiro: Se no final da reunião, com o pedido da conta, o rateio for menor que o valor de R$30,00 (trinta reais), o valor deixado não será devolvido;
Parágrafo segundo: O valor mencionado no parágrafo anterior será destinado para pagar a “saideira” dos que ficaram até o final;

Art.9º - É proibido durante as reuniões falar de assuntos de trabalho e ou fofocas de pessoas que não estão presentes;

Art.10º - É obrigatório durante o Happy hour falar de futebol, filmes, novelas, bobagens, dar risadas e outras sacanagens;

Art.11º - É proibido o excesso como: passar mal, dar vexame, vomitar no banheiro, perder o caminho de casa;

Art.12º - É proibido sair do Happy hour extremamente bêbado e dirigir veículos automotores. Ficando, o infrator sujeito às penalidades previstas no Art. 306 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro);

Art.13º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.


Prefeitura Municipal de Xerém, 23 de Outubro (sexta-feira) de 2009.

Jessé Gomes da Silva Filho (Zeca Pagodinho)
Prefeito Municipal

Postado por Antônio - Novembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

1980 - a parada de sucessos


Há 30 anos, em 1980, o que se ouvia nas rádios era um estilo de música que tem nada a ver com as de hoje. Pra começar, não havia pagode, funk, axé e nem sertanejo. A base da música nacional era a chamada MPB. Como afirmei, ouvíamos 14 Bis, Fagner, Alceu Valença, Djavan, Boca Livre, Elis Regina, Rita Lee e outros da nossa MPB. No lado internacional, ainda não havia começado de fato a Era Michael Jackson, mas podíamos ouvir Pink Floyd, Roger Keny, Abba, KC & The Sunshine Band, Air Supply, Queen. A maioria dessas eram temas de novelas da época.
Era uma Parada de Sucesso de muito romantismo e de música boa. O tempo não volta, mas as canções ficam marcadas para sempre. Eu guardo todas. Ainda lembro que a rádio que mais ouvia na minha cidade era o Difusora FM, que depois mais tarde virou RD-90.
Quem quiser o arquivo em MP3 da trilha sonora que embalou 1980, eu tenho as 100 música abaixo:

1980

1 Balancê - Gal Costa
2 Another Brick In The Wall - Pink Floyd
3 Crazy Little Thing Called Love - Queen
4 Momentos - Joanna
5 Menino do Rio - Baby Consuelo
6 Toada (Na Direção do Vento) - Boca Livre
7 Lady - Kenny Rogers
8 Lost In Love - Air Supply
9 Meu Bem Querer - Djavan
10 Alô Alô Marciano - Elis Regina
11 Grito de Alerta - Maria Bethânia
12 Don't Stop Till You Get Enough - Michael Jackson
13 Sailing - Christopher Cross
14 Admirável Gado Novo - Zé Ramalho
15 20 e Poucos Anos - Fábio Jr.
16 Xanadu - Olivia Newton-John & Electric Light Orchestra
17 Foi Deus Que Fez Você - Amelinha
18 Little Jeannie - Elton John
19 Amante à Moda Antiga - Roberto Carlos
20 Mania de Você - Rita Lee
21 Magic - Olivia Newton-John
22 Coração Bobo - Alceu Valença
23 All Out Of Love - Air Supply
24 Cruisin' - Smokey Robinson
25 Demônio Colorido - Sandra Sá
26 Do That To Me One More Time - The Captain & Tennille
27 Cheiro de Mato - Fátima Guedes
28 Another One Bites The Dust - Queen
29 Noturno - Fagner
30 The Winner Takes It All - Abba
31 Bandolins - Oswaldo Montenegro
32 Canção da América - Milton Nascimento
33 With You I'm Born Again - Billy Preston & Syreeta
34 Feminina - Joyce
35 Him - Rupert Holmes
36 Babe - Styx
37 Upside Down - Diana Ross
38 Essa Tal Criatura - Leci Brandão
39 Please Don't Go - KC & The Sunshine Band
40 Sol de Primavera - Beto Guedes
41 Call Me - Blondie
42 Chega Mais - Rita Lee
43 Só Nos Resta Viver - Angela Rô Rô
44 Fame - Irene Cara
45 Shining Star - The Manhattans
46 Nosso Estranho Amor - Marina & Caetano Veloso
47Special Lady - Ray, Goodman & Brown
48 After You - Michael Johnson
49 Do Right - Paul Davis
50 Meu Amigo, Meu Herói - Zizi Possi
51 Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira - Moraes Moreira
52 Into The Night - Benny Mardones
53 Just Like You Do - Carly Simon
54 Menino Sem Juízo - Alcione
55 Eu e a Brisa - Baby Consuelo
56 More Than I Can Say - Leo Sayer
57 Noites Cariocas - Gal Costa
58 Ponto de Interrogação - Gonzaguinha
59 Gonna Get Along Without You Now - Viola Wills
60 Give Me The Night - George Benson
61 Lead Me On - Maxine Nightingale
62 I Never Fall In Love - Davitt Sigerson
63 Desesperar Jamais - Simone
64 You And I - Mireille Mathieu & Paul Anka
65 Quem Tem a Viola (Cecília) - Boca Livre
66 Quero Colo - Fábio Jr.
67 Semente do Amor - A Cor do Som
68 Shine On - L.T.D.
69 I'm So Glad That I'm A Woman - Love Unlimited
70 Ships - Barry Manilow
71 Agonia - Oswaldo Montenegro
72 Survive - Jimmy Buffett
73 Bola de Meia, Bola de Gude - 14 Bis
74 Three Times In Love - Tommy James
75 Wave - João Gilberto
76 Canção de Verão - Roupa Nova
77 Modern Girl - Sheena Easton
78 More Love - Kim Carnes
79 Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores) - Simone
80 Love I Need - Jimmy Cliff
81 Aroma - Lúcia Turnbull
82 Planeta Sonho - 14 Bis
83 Cais - Milton Nascimento
84 Escravo da Alegria - Toquinho & Vinícius
85 First Be A Woman - Leonore O'Malley
86 Clareana - Joyce
87 Fracasso - Gilliard
88 Quero Quero - Cláudio Nucci
89 Novo Tempo - Ivan Lins
90 Lembranças - Kátia
91 Meninas do Brasil - Moraes Moreira
92 Never New Love Like This Before - Stephanie Mills
93 Rua Ramalhete - Tavito
94 Faltando Um Pedaço - Djavan
95 Se Eu Quiser Falar Com Deus - Elis Regina
96 Doce de Pimenta - Olivia
97 No Night So Long - Dionne Warwick
98 Nova Manhã - 14-Bis
99 The Second Time Around – Shalamar
100 A Massa - Raimundo Sodré
 



Postado Por Antônio - Novembro / 2010

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Aqui ninguém mais ficará depois do sol...

No início da década de 80, todos os domingos, — como não havia muito o que se fazer na cidade —, a juventude joseense ia curtir o pôr do sol do Banhado, sentada no gramado da Avenida Anchieta. Ou, como chamávamos na época: Avenida Pôr do sol — era assim conhecida. Além do pôr do sol, lá rolavam as paqueras, os flertes, os olhares, tudo regado a shows musicais com artistas e bandas (conjuntos) da terra.

Lembro-me do conjunto “Revoada”, que sempre se apresentava por lá e tinha como seus integrantes o Benoit e o Fernando — esses, ainda firmes com os pés na estrada, tocando nos bares da vida. Seu repertório era a base do que ouvimos na época: 14 Bis.

Em 1980, o 14 Bis já estava no segundo disco, que tinha entre outras “Nova manhã” que foi uma das classificadas do festival da Globo e depois virou tema de uma de suas novelas. Havia também “Planeta Sonho” e “Caçador de mim”. As rádios da época — não tão influenciadas — tocavam 14 Bis, Roupa Nova, Zé Ramalho, Alceu Valença e outras bandas que despontavam como: Kid Abelha, Legião Urbana e Titãs.

Ontem, 15 de novembro, o 14 Bis veio ao SESC-SJCampos reviver em nós os bons momentos daquela época. Naqueles idos, o SESC era o grande palco do 14 Bis na cidade. Duas, três vezes ao ano eles se apresentavam aqui. Sempre com casa cheia. Fiquei saudosista ao ir ao show. Lembrei-me de muita coisa boa e em especial de um show em que eles soltaram um modelo do avião “14 Bis” sobre o ginásio lotado e ainda contavam com o Flávio Venturini como líder e vocalista da banda.

Na companhia de amigos agradáveis, colhi e agora compartilho com os leitores do Blog algumas fotos da noite de ontem. Foi bom rever, ouvir o 14 Bis; e tudo agora me trouxe a lembrança de uma frase — celebrada em uma de suas canções —, que a juventude daqueles anos pichou no muro da Avenida Pôr do sol: “Aqui ninguém mais ficará depois do sol...”.

Luciana, eu e Cláudio Venturini

Postado por Antônio - Novembro/2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A mulher polvo

Aguçam-me as provocações. É claro, com humor, e sem aquela de dedo em riste, apelativo ou coisa parecida. E provocar mulheres e seus instintos é mais prazeroso ainda. Não sou machista, mas não há melhor maneira para provocar uma mulher que se vestindo como tal. Assim, extraio delas as melhores respostas. Descubro o que mais lhes desagradam e agradam. Numa dessas minhas provocações, quando falávamos de homens e mulheres, suas relações e metáforas com objetos e animais marinhos (moluscos): homem sofá, mulher vuvuzela e mulher polvo, dei minha alfinetada por e-mail:

Boa lembrança amiga: a mulher polvo. É aquela mulher que vive num aquário adivinhando quem vai ganhar alguma competição, ou qual homem é mais lindo: Johnny Depp ou Pierce Brosnan. O problema (ou a felicidade) é que esta mulher morre muito rápida, tem vida curta em seu aquário. Vide o polvo Paul, morreu cedo. Coitado.

Agora, essa mulher polvo (de verdade) é aquela que não tem dois braços, tem oito... Depois de um árduo dia de trabalho - ela é arrimo de família -, ainda chega em casa, põe roupa pra bater, as panelas no fogão; depois dá banho e troca o filho, passa algumas peças de roupa, vê novela, põe lixo na lixeira e reclama do marido que sai para jogar futebol com os amigos e volta duas horas depois, bêbado. Esparrama-se no sofá, se apossa do controle remoto da TV e dorme roncando - sem tomar banho.

Aliás, este é o homem-bomba, ele pode explodir a qualquer momento, basta você deixar de lhe dar comida na boca e de trazer cerveja gelada. Ah! E nada de passar na frente da TV enquanto ele vê futebol. E não importa se é o time dele ou não, futebol é sagrado no universo masculino.

Eu já experimentei vários modelos de mulheres... Diziam que a melhor tinha de ser submissa; sabe aquela caixa de supermercado e com neutrox no cabelo (sem preconceito às duas coisas...) - Katy Milene Suelen -, assim você manda e desmanda e ela faz tudo. Bem, não deu certo, ela não sabe a diferença de pátena e decapê e jamais irá dar palpite no seu projeto arquitetônico. Aí você procura uma arquiteta (mesma profissão), que sabe a diferença de patena e decapê, e é linda, maravilhosa... Meses depois, ela começa a dar palpite demais no projeto da casa que você está fazendo e na tua vida também; controla tua roupa, teu apetite e o pior: a tua conta bancária. Por fim – quase já desistindo -, você arruma uma mulher de profissão oposta: advogada. PERIGO!! Muito cuidado com esta. Ela finge que te dá carinho e tudo mais, mas por trás está tramando algo contra você, vai lhe tirar o que não tem. Ferrou-se cara. Sai fora!

Desistência? Jamais!

Há salvação. Ou: uma luz se acende. Cara! Você encontrou a felicidade. Você descobriu, como eu, aos 45 minutos do segundo tempo - pra não dizer a idade - que não existe perfeição. E a melhor de todas as mulheres é a de BUNDA, PEITOS FARTOS E SÓ LHE DÁ AMOR. Ah, e não fala muito, só ouve e obedece (de cabeça baixa). Para chamá-la, é só balançar o sininho (blem-blem), ou gritar: FULANA! Ela vem correndo. Aí você chega à constatação: esta é a mulher da minha vida, estou no paraíso. Felicidade perene e sexo em abundância. Viva a bunda e o peito! Chega de mulher-polvo. Encontrei a mulher da minha vida: A mulher-bunda-peito. Antonio.

Bem, não queiram saber a resposta. Ela veio ao melhor estilo feminista, com alfinetadas também; elas detestam o machismo, embora a maioria delas se casa com seres dessa espécie. Aprendo muito mais com provocações ao universo feminino do que já aprendi em muitas conversas de botequim com meu melhor amigo homem.

Brincadeiras à parte, a melhor mesma é a mulher polvo; e acredito também, que na relação, se dará melhor com um homem de linhagem igual – polvo. Com oito braços para cada sexo, eles se entrelaçam e não há o que os desunam; sendo assim, os abraços serão afáveis, cálidos, apertados, multi, eternos, para sempre...

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / novembro de 2010.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O Alpendre

A arquitetura, como toda arte, sempre caminhou pelo tempo, de um extremo a outro, do passado ao futuro mais remoto que o homem pode vislumbrar; tecendo formas, espaços, dando movimento e definindo períodos. Das nossas casas de taipa de pilão às construções high-tech, vem permeando o universo e contando a história da humanidade. Na volta ao passado, ela encontra os seus simbolismos perdidos, numa releitura de si; como os valores módicos da vida e o que nela havia de melhor. Contraponto assim, à sofisticação, aos modismos e tudo mais que tornou a vida mais turbulenta nos nossos dias. Hoje, a vida se resume e se permite ser mais prática, acelerada, racional, individualizada; tudo num invólucro e mais longe da felicidade perene, sem fragmentos, sem barreiras. E longe de ser o dono da verdade — não discordarei dos quem pensam o contrário — coloco aqui uma visão analítica de quem observa e vive este mundo maluco e agora globalizado. Nessa síntese, talvez valesse aquela máxima: “naquele tempo era melhor...”.

Os tempos são outros e o conceito de moradia também mudou. Dos bairros predominantemente residenciais, o pouco restou; com suas ruas de paralelepípedo quase sem automóvel e de gente simples morando. Hoje não nos damos mais ao luxo e o prazer de termos casa com muro baixo e portão de madeira, onde na infância brincávamos de andar sobre os muros; e de muro em muro íamos equilibrando e pulando os portões até se espatifar na calçada — já vivi essa cena. (Sempre era divertida a aventura e dolorosa a queda.) Da calçada, sobre o muro baixo podíamos ver a casa; dos janelões: a sala, a mobília, os ornamentos, os apetrechos, os enfeites, os retratos, os quadros, as pessoas e o modo de vida daquela família. E elas? Viam a nós, que passávamos pela rua, sozinhos no nosso caminhar ou em procissões da sexta-feira da paixão. Como se nada tivéssemos que esconder um do outro. Víamos nossos interiores, assim como ver a alma da alma.

Da casa, era do seu alpendre que avistávamos a rua e quem quer que por ali passasse. No alpendre sempre havia um lugar para uma cadeira de balanço e uma gaiola de passarinho pendurada; com muretas que circundavam, é lá que ficava o “relógio” que registrava o consumo da luz. Em alguns, havia um mosaico de azulejos portugueses na parede frontal ou um pequeno oratório no nicho lateral. Sem nos esquecer dos vasos de avencas e samambaias e o piso gelado de cimento queimado ou ladrilhos vitrificados, este, nas casas dos mais abastados.

Vamos à literatura. Alpendre é o espaço coberto, reentrante, e aberto na fachada de uma casa, que dá acesso ao interior. Pois sim, o alpendre é o próprio convite à casa: adentre-se. Diferente da varanda, que é balcão, sacada, terraço. Gradeamento de sacadas ou de janelas rasgadas ao nível do pavimento. Ou: espaço saliente à casa e fora do seu corpo — desalinhado. Em sua crônica, o escritor Mário Prata define: “Mas a diferença básica é a seguinte: você vai ficar na varanda do 16º andar para ver quem? Quem é que você acha que vai passar por ali? Você acha que vai ver alguma pinta-brava? Pessoa suspeita; cafajeste” Mais adiante ele conclui: “Agora achei a palavra certa: os alpendres foram feitos para a cobiça também”.

Nos casarões coloniais, era o alpendre que fazia a divisão da parte da casa com a área social. Os alpendres centrados dividiam de um lado a capela e do outro o quarto de hóspedes, depois a porta de acesso, por fim, a casa. Por muito tempo, eram também nos alpendres que namoravam as moças de família, as recatadas. Cujo namoro tinha que ficar às vistas do pai austero e com hora marcada para pisar porta dentro. No alpendre “batíamos figurinhas” e reuníamos os moleques da rua para brincar. Dava para jogar futebol de botão e fabricar pipas também.

E os quintais? Quanto tempo eu não ouço ninguém dizer que gostaria de uma casa com um quintal grande e de terra; sem nada, solitárias árvores e a criatividade dos olhares pequeninos. Trocaram os quintais por jogos de vídeo game e internet; e as casas térreas, por conjuntos verticais — sem quintal.

Faz dois anos fiquei surpreso com uma história: quando foi indagado o que gostaria de dar a seu filho pelo seu aniversário, o ator Lázaro Ramos disse sem pestanejar: “um quintal”. Achei diferente, tudo muito simples e talvez fosse tudo o que tenha presenciado de valor na sua infância feliz. Um quintal para brincar e um alpendre para olhar a vida passar, quiçá.

No próximo projeto de casa quero ser simplista e darei a ela um alpendre. Inserida numa paisagem, um ambiente urbano ainda preservado pela vida parca do lugar, sem agredi-lo. Uma Casa para morar, para viver e guardar os dias melhores de nossas vidas. Gosto dessa viagem ao tempo que a arquitetura me proporciona, principalmente quando ela vai ao meu interior, onde me permito encontrar uma bela paisagem e com tudo aquilo que vale à pena viver de novo: uma casa com alpendre e quintal de terra.

©Antonio de Oliveira / arquiteto e urbanista / 2008- revisão Novembro de 2010.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Bastardos

,
Para ficar de bem com o mal — já que ontem foi dia das bruxas — fui presenteado pelo canal telecine com o filme “Bastardos Inglórios” (2009) — Quentin Tarantino. Já perdi a conta de quantas vezes vi este filme, mas acredito que seja a quinta vez. A cada repetição uma emoção, uma descoberta. Quando vi pela primeira vez, fiquei tão fascinado que considerei o melhor filme do ano, sem o ano ter terminado e sem ver os outros. A academia deverá dar o Oscar de melhor filme, constatei. Depois lembrei que a Academy Awards não daria um prêmio de melhor filme a um filme aos moldes de Bastardos — uma ficção sobre o terceiro reich e sanguinário.

Tarantino é um consagrado diretor pelos filmes sangrias. Há quem não goste do seu estilo, mas em Bastardos ele se superou. Fez um dos seus melhores filmes. Sorte e competência teve o ator Christoph Waltz; ainda no projeto do filme, Tarantino quase desistiu de rodar o filme, pois não conseguia encontrar um ator que falasse fluentemente Inglês, Alemão, Francês e Italiano. Encontrou, por fim, Waltz. E não poderia dar outra: ele brilhou e ainda levou o Oscar de ator coadjuvante. Antes já havia ganhado o prêmio de melhor ator no festival de Cannes. Waltz fez um vilão vibrante, ácido, repugnante, eloqüente, às vezes engraçado; roubou as melhores cenas do filme. Só posso comparar a Heath Ledger como Coringa em Batman – o cavaleiro das trevas.

Quem brilhou também foi Brad Pitt no papel do caricato tenente Aldo Raine. Suas caras e falas são de dar gargalhadas e sua atuação foge completamente do seu estilo: herói e belo. Há quem pense que ele ficará com a mocinha do filme — como sempre acontece. Embora Aldo e Shosanna tivessem os mesmos objetivos: matar nazistas, mas eles não se encontram em cena nenhuma.

O filme tem como pano de fundo a segunda guerra mundial numa França tomada pelos nazistas. O Coronel da SS Hans Landa (Waltz) é condecorado pelas suas proezas de caçador de judeus. Já no inicio da trama deixa escapar das suas mãos a jovem judia Shosanna (Mélanie Laurent). Do outro lado, o tenente Aldo Raine (Brad Pitt) lidera o grupo dos bastardos, que tinha como missão eliminar nazistas.

A trilha sonora é outra genialidade do filme. Tarantino trás músicas do compositor italiano Ennio Morricone. Quem começa ver o filme, já nos caracteres, tem a impressão que verá um filme bangue-bangue à italiana dos anos sessenta.

A melhor cena — entre tantas — é a do encontro do Coronel Hans Landa com a moça judia Shosanna num restaurante. Quando todos se levantam para sair, ele a convida para continuar sentada, com o propósito de conhecê-la melhor e saber o que faz em Paris. Como verdadeiro oficial nazista e machista, não lhe dá o direito nem de escolher o que comer e beber na sobremesa daquele final de jantar. Ele mesmo diz ao garçom o que ela vai comer. Quando o garçom esquece-se de trazer creme, ele pede que traga e quando ela vai garfando o seu pedaço de torta, ele bate-lhe a mão e diz: espere o creme. Depois de muitos interrogatórios e gargalhadas de cinismo igual, ele apaga o cigarro sobre o resto de torta no prato e sai deixando a pobre Shosanna em pânico. Genial.

Para ficar de bem com o mal — dito no começo da conversa —, o filme tem um final apoteótico. Como ninguém até hoje deu Hitler como morto, ou tenha certeza de que modo ele morreu, Tarantino lhe deu uma morte digna de um ditador, populista e que, reconhecidamente, mudou os caminhos da humanidade. Ele e Goebbels morrem junto com todo o primeiro escalão do comando nazista dentro de um cinema em chamas. O cinema da mocinha judia Shosanna (Mélanie Laurent). O filme termina com a “suástica” marcada na testa do Coronel Hans pelo intrépido Tenente Aldo, dizendo: "Acho que essa pode ser minha obra-prima". Tarantino lavou a minha alma no dia das bruxas. Que seja o fim de todos os ditadores.


Postado por Antônio - Novembro 2010