BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Balões Cristalizados


Meu professor da FAU — Faculdade de Arquitetura e Urbanismo — dizia que crianças e adultos têm diferentes percepções em escalas de grandeza. O que ele quis dizer com isso? O que é grande para uma criança, já não tem a mesma dimensão para um adulto. Minha avó paterna — seguindo os velhos hábitos da vida que trazia do campo — todos os anos plantava milho em seu quintal. Depois que fazia sua pequena colheita, aquele quintal virava um campinho de futebol para nós. Na minha cabeça e para meu corpo tudo era imensurável. Hoje, presumo que mal daria para estacionar uns três automóveis.

Quando ficamos adultos, além de perdemos essa escala, que também vem com a imaginação, deixamos outras riquezas para trás. Já repararam que tudo que uma criança faz é serelepe, correndo? É energia pura que depois perdemos com a velhice. Criança é assim: você pede alguma coisa e ela sai correndo disputando corrida uma com a outra ou com ela mesma. E quando há prêmios, corre mais ainda. Depois que ficamos adultos, junto com o peso das pernas e a indolência, tudo se torna mais lento.

Outra riqueza que perdemos quando deixamos a infância é a capacidade de olhar para o céu, enxergar coisas que só crianças veem. Eu via muitas coisas no céu, durante o dia e à noite, muito além das estrelas. Não importava onde estivesse: debruçado na janela, estirado na grama, andando na calçada ou no meio da rua. Eu não tirava os olhos do céu. Ou eram astros, ou eram pipas, ou eram balões.

Depois da exaustão das peladas da rua de paralelepípedos, ficávamos esparramados na calçada com a cabeça sobre a bola, mirando o céu a procura de algo. Em poucos minutos os olhares eram arrebatados. Quais desenhos as nuvens podiam formar? Víamos cavalo-marinho, elefantes, girafas, homens gigantes e, às vezes, se via Deus também; e sempre com aquela cara de bravo. Havia outra visão maluca: à noite, a lua cheia era um ventre de uma mulher com feto. O Cruzeiro do Sul, a Via láctea, as Três Marias, tudo virava desafio. Em que ponto do céu estará hoje? Já os pontos cardeais e a linha do equador, esses eu nunca vi... Ah! Apontar estrelas com o dedo fazia surgir verrugas; às vezes eu apontava, mas recolhia rapidinho.

Akira era um japonês sem rosto, ou aquele que tinha a feição das pipas que fabricava. Uns diziam que tinha 15 anos, outros lhe davam menos. Eu nunca o vi, só sabia que morava a uns dois quarteirões da minha casa. O melhor e mais famoso fabricante de pipas era um fantasma, mas era olhar para o céu eu identificava as suas. Eram pipas majestosas, soberbas, coloridas e bonitas. Quando não havia "caçadas", elas reinavam sozinhas no céu, soberanas aguardando uma peleja; quase que paralisadas, flutuando com sua rabiola gigante parecendo calda de cometa. Eu gostava mesmo era quando ele derrotava seus adversários usando sua mais exuberante invenção: o chicote. Era uma linha com cerol que se estendia além da rabiola. Quando ele partia para cima, nunca perdia uma caçadinha.

Nessas temporadas de pipas eu vivia pela rua. Não sabia fazer uma pipa sequer e às vezes que teimei, saiam pensas e feias. Assim como Hassan, eu sabia mesmo era correr atrás delas quando as linhas eram cortadas. Sob sol ardente, eu corria, corria até rosar e salpicar as bochechas de sardas — essas que no banho eu esfregava para tirar de tanta vergonha que me causavam. Nas minhas contas não me lembro de quantas pipas “cacei” por aí. Acho que foram poucas, em outras eu era contemplado pela sorte quando elas enroscavam no pé de laranjeira no fundo do nosso quintal. Essas vinham de graça, pois não custava a correria e nem as sardas do rosto.

Entrava o mês de junho eu ficava à noite mirando o céu. Agora eram os balões. Quatro ou cinco por noites me acendiam. Balões e estrelas. Havia balões de diversos formatos e ciências: diamante, charuto, pião, caixa e mexerica — que eu me lembro. No caminho até a quermesse da igreja meus olhos não desgarravam do céu, o que me causavam alguns tropeções. Quantos discos voadores devem ter me confundidos e eu nem percebi.

Diferente das pipas, fabricar balões era mais penoso; requisitava mais habilidade e prática. Eu sabia a técnica de tanto observar e dava minha contribuição como um verdadeiro AFB — Auxiliar na Fabricação de Balões. Meus irmãos mais velhos e primos é que eram os verdadeiros artesãos. Balões não se mediam por tamanho, mas sim pelas quantidades de folhas de seda que cabiam. Havia os de dezesseis, vinte quatro folhas e até mais. Sempre em números pares. As folhas de seda eram coloridas e coladas com cola espessa para não deixar o ar quente vazar. A arte final era fazer a mecha de fogo — aquilo que iria fazer o balcão ganhar os céus; e isso custava alguns retalhos de estopa, parafina e querosene. Depois de enrolada, com a parafina semeada no tecido, a estopa era amarrada com arame e embebida no querosene. A mecha ia à boca do balão. Pronto, agora era descer até o quintal e viver.

Lembro do meu último balão. Foi numa noite que havia jogo do Brasil da TV. Quando o jogo acabou e já passava da meia noite, fomos para o quintal. Minha missão naquela operação de lançamento foi segurar uma das pontas. Depois do fogo ateado esperamos o balão inflar. A parafina derretendo, soltava um cheiro e a cor azul de de pingos de fogo que caiam no chão. Ao meu primo mais velho foi dada a incumbência de fazê-lo subir. Ele apoiou levemente a boca do balão com as mãos e com pequenos impulsos para cima lançou até ganhar força e começar a subir. O ar quente dentro do balão e o vento completaram seu esforço. Naquela noite foi lindo, ele subiu, subiu e seguiu sentido leste até desaparecer nas nuvens e não conseguir ver mais. Ficamos felizes. Mais tarde, já debaixo do cobertor, fiquei pensando onde estaria agora o balão, a que altura já chegou? Na minha cabeça os balões não caiam; depois de alcançar a atmosfera terrestre eles cristalizavam.

Já faz alguns anos, os noticiários têm alarmado que fabricar, transportar e soltar balões é crime, pois os balões quando caem provocam queimadas em pastos, plantações e canaviais; e nas áreas urbanas caem sobre casas e até nas linhas de alta tensão. Então, eu te suplico, meu caro leitor: não solte balões! Faça como eu, guarde-os na memória.

Na minha cabeça eles ainda só sobem e não caem, nunca!; e nem incendeiam plantações. São milhares pelo céu da minha infância; nas escalas de grandezas que guardo do meu universo criança e diante dos meus olhos serão como noites sem fim... Balões não caem como estrelas cadentes, eles cristalizam no céu e viram estrelas de cor âmbar; aquelas que dizem ser planetas. Neste ano, quando junho chegar, vou me estirar na relva e mirar para o céu à noite toda, procurando estrelas e balões perdidos; e quando meus olhos forem atraídos para o leste eu verei meu velho balão. Ele estará lá, cristalizado.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2010.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Crônicas e bolinho caipira

É inegável, o melhor bolinho caipira está aqui no Vale do Paraíba, minto, nunca apareceu outro igual, ou melhor. Para ser bem preciso o mais saboroso está em São José, no Bairro de Santana, na casa da minha mãe. Eu posso dizer. Nunca pesquisei, mas creio que a receita é centenária e vem atravessando gerações até nossos dias. É claro que houve inovações, onde se substitui a carne por queijo ou lingüiça calabresa. Ainda bem que essas iguarias não perdem o sabor nunca, vão passando de mãe para filha, de filha para neta... Sempre mulheres.
Sei que hoje a cidade espichou e já tem automóvel demais nas ruas, mas ainda conserva este ar interiorano, das festas de junho regadas a bolinho caipira, quentão e quadrilha. Ainda nos permitimos viver tudo isso; ainda conseguimos olhar o céu à noite e ver algumas estrelas.
Pegando esta toada, este escrevinhador – aprendiz das palavras -, está preparando a próxima crônica para o Blog. Batizei-a de “Balões Cristalizados”. É uma volta ao passado, com estrelas cadentes, infância, pipas e balões. Só não diz nada sobre bolinho caipira, mas o cheiro... hummm.

Antonio.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Eu não tenho mais tempo para errar


Quando eu tinha 18 anos, fui levado pelo delírio de uns amigos a escalar a Pedra do Baú em São Bento do Sapucaí — SP, a 1950 metros de altura. Confesso que foi uma aventura perigosa tentar subir aquela “parede” sem nenhum equipamento de segurança; com mochila nas costas e se apoiando somente em escadas de ferro engastadas na pedra. Ah, só para apimentar mais a aventura, em alguns trechos não havia escada, tínhamos que segurar e pisar em pedras mesmo e...rezar. Que loucura! Não sei se fui intrépido ou fiz aquilo para não passar por medroso diante dos meus amigos, mas pus minha vida ali em resvalo com a morte, exatamente esta única que tenho. A despeito de não chegar até o topo, pois fui prudente comigo, descobri o meu limite. Até onde me permiti chegar ainda pude apreciar a bela paisagem da Serra da Mantiqueira, e isto já me bastou. Voltei feliz do passeio.

Nessa idade, muitos de nós homens, queremos desbravar o mundo, desgovernar as rotas que nos são dadas, navegar sem bússola e arriscar tudo; se atirando no vazio da escuridão só para sentir a emoção do salto, a adrenalina efervescente e pulsante em nossas veias. É a fase em que a vida se torna um verdadeiro bungee jump. Não temos medo de errar o passo adiante e cair no calabouço da dor e da angústia. Permitimos os primeiros pileques e andamos em bandos para chamar atenção. Mas chamar atenção de quem mesmo? Experimentamos todos os tipos de venenos e paixões. Apaixonamos sem saber sequer se os signos combinam — vê se pode isso! Paixões platônicas e não correspondidas. Lançamos o coração nas relações, como saltamos de cima da ponte para dentro das águas turvas de um rio, sem saber o que iremos encontrar no fundo. Subimos montanhas sem medo de pisarmos em pedras soltas. Ficamos vulneráveis às delícias da vida sem saber as consequências e o risco que corremos por colocar nossa vida na ponta de um trampolim ou nos ganchos do alto de uma montanha, onde só temos nossos pés para apoiar e as mãos para segurar a ponta de uma pedra. O céu é nosso limite.

Não posso negar que vivemos pequenas aventuras já na infância. Quando criança, nós só iremos aprender a andar, caindo; e caímos muitas vezes antes dos primeiros passos. Depois vamos só entender o que é o choque elétrico quando enfiamos o dedinho na tomada. Assim seguimos pela vida, caindo e levantando, desafiando o perigo em muitas vezes como forma de aprendizado; em outras como inconsequentes, colocando o coração à frente dos pés e da razão.

Vivendo esperanças, alegrias e decepções; sofrendo por fazer escolhas erradas e arriscar com os olhos vendados: como se dará o próximo passo ao abismo ou à felicidade eterna que se enseja. Profundamente mergulhamos em mar revolto sem perceber o perigo iminente. Até que depois de algumas costelas quebradas e corações partidos chega o dia em que uma luz se acende em nossas vidas; como um candeeiro iluminando o caminho. Seja por nós mesmos ou pelas mãos de nossos pais — sábios guardiões dos nossos passos — abriremos os olhos para novos horizontes. Haverá aqueles que não ouvirão as vozes de seus guias e guardiões e por isso terão de aprender sozinhos, apanhando mais um pouco.

Depois de algumas quedas e desenganos, recostamos nossas cabeças e nos recolhemos ao interior. Nessa conversa franca e sincera, decidimos, por fim, fincar nossos pés em terrenos firmes e férteis. Amadurecidos ou experientes, como queiram, não atrevemos mais escalar pedras íngremes em busca de felicidade e prazer, já não queremos a aridez de corações insensatos e desertos; apavoramos com certas aventuras e apontamos nossos objetivos naquilo que é mais palpável e em laços fortes que não desatam. Não queremos dar mais tempo para ficar provando o fel esperando que um dia se torne doce.

Num mesmo dia ouvi de duas mulheres — já vividas e maduras — a mesma frase: Eu não tenho mais tempo para errar! Num tom quase de desabafo, fiquei sem resposta do que ouvi. Como se a felicidade fosse uma carruagem passando à porta e não haveria mais outra chance de encontrá-la num lugar no futuro; o tempo é seu adversário — acreditam. Assim, não haverá mais chance de errar e pisar em pedras soltas pelo caminho ou tropeçar nelas. O tempo galopa com o vento e lá no fim há um pote de ouro que é preciso encontrar: a felicidade, o ápice, o paraíso enfim; e antes um precipício a nos desafiar e um labirinto por percorrer. Essa é a estrada, a de todos nós...

Entendo, para essa mulher que já passou pelos 30 anos, há outra preocupação com a cobrança que a sociedade lhe impõe, em especial sobre o tempo minguado que a natureza lhe reservou para maternidade. Como já ouvi de algumas delas: “nós temos prazo de validade”. E para muitas, a felicidade está associada ao modelo de vida tradicional: casar, ser mãe e constituir uma família. Elas se queixam de não ter mais tempo para se arriscar numa relação onde não há reciprocidade e objetivos iguais, pois a maioria dos homens ainda continua escalando suas montanhas.

O que querem estas mulheres? Elas, na verdade, não querem mais semear em terreno árido, onde não darão frutos, relacionamentos viciados; e esses também onde as pessoas se juntam para depois ficarem só consigo; cada um no seu mundo particular, puxando a corda para o seu lado. Juntas, mas caminhando em rumos opostos.

Gostaria de encontrar estas duas mulheres de novo e agora poder contar-lhes da minha escalada, dos meus limites, dos meus saltos e quedas. E com o pouco que aprendi na minha jornada, dizer: "coragem, coragem!" Não há culpas ou remorsos, pois à vida demos o melhor de nós. No lado desconhecido da pedra que se deseja escalar deve haver uma trilha na mata, um caminho mais seguro e menos íngreme; um caminho apontado por Deus, onde não há abandono e tristeza, mas um caminho...

Talvez demore mais para chegar, mas chegaremos mais seguros ao mesmo lugar. Se não houver, abriremos trincheiras com a mesma presteza que fizemos para sair do berço e andar. Direi também, que o tempo não é mais nosso inimigo, ele é o remédio com doses diárias para as feridas da alma; para amar e viver, ele é nosso aliado, pois nos deu as lições dos tombos que levamos. Vou errar ainda na minha caminhada, eu sei, quem sabe desvie por alguns atalhos incertos, mas sei que haverá tempo para voltar com retidão e começar tudo de novo.

E ainda restará outro tempo. O tempo para amar e contemplar o nascer do sol do alto de uma montanha.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2010.

O álbum impossível


SE OS nomes de Kanga Akale, Cha Jong-Hyok e Martin Skrtel não dizem nada para você, sorte sua. Pelo que leio na internet, esses jogadores de futebol estão tirando o sono de quem coleciona o álbum de figurinhas da Copa do Mundo. Pertencem ao ranking dos mais difíceis de achar.
Ocorre que nada parece ser muito difícil hoje em dia. Graças à internet, os aficionados podem trocar figurinhas, comprar álbuns já completos, marcar reuniões, reclamar da situação ou vangloriar-se de seus feitos. "Ja completei 2 albumn to no tersero" [sic], informa um menino de 13 anos num blog dedicado ao tema. É pouca coisa, diante de um paulistano de 44 anos que já completou quatro álbuns e pretende chegar a dez cheios. Antes do início da Copa, naturalmente.
Todos correm contra o tempo. Houve alarme em Bauru: durante quase uma semana, interrompeu-se o fornecimento às bancas de jornal. A editora Panini, como toda poderosa empresa multinacional que se preze (a sede é na Itália), "calou-se" diante do problema, denunciam os críticos.
Surgem cotações no mercado negro, já houve um assalto espetacular e os furtos, como no meu tempo, devem ser comuns em qualquer recreio de escola. Mas é claro que, em comparação com as figurinhas de quando eu era criança, muita coisa mudou.
Este álbum de 2010 é globalizado. Não está escrito em português. A seleção da Grécia atende por Hellas, o nome que tem de fato na língua de Homero, e a histórica Sérvia é Srbija para os colecionadores. O que não constitui desculpa, é claro, para os erros de português que se multiplicam nas páginas da internet sobre o assunto.
A não ser que eu esteja muito destreinado, essas figurinhas autocolantes não facilitam a vida de quem quer ganhá-las jogando bafo. Em compensação, é um grande progresso não depender mais da velha cola branca, para nada dizer da mistura de farinha e água ou da impraticável goma arábica, da marca Camelo, que deixava minhas páginas com a consistência de uma bala de cevada -outra coisa da infância que não me traz saudades.
Não há de ser simplesmente por saudade da infância, em todo caso, que tantos marmanjos (até mesmo, devo dizer, na redação de um importante jornal paulistano) entregam-se à febre das figurinhas. Não se trata de uma doença retroativa e, sim, antecipatória. Já é a torcida pelo título mundial o que se concretiza na luta pelo álbum completinho. Importa dominar, ter ao alcance dos dedos o conjunto dos adversários possíveis.
Num arroubo de alma que só se poderia chamar de ibérico, há torcedores que fazem questão de colar de cabeça para baixo as figurinhas do selecionado argentino.
Completar o álbum é vencer todo acaso e incerteza. Obtida a vitória, começa-se outro, assim como a conquista do tetra não tira a vontade de chegar ao penta, ao hexa, que sei eu. Irremediavelmente antiquado, volto a estranhar essa necessidade (no tocante às figurinhas, porque, em matéria de futebol, prefiro ficar calado).
Nunca pensei, quando era criança, que fosse possível completar um álbum. Corria mesmo a desconfiança de que algumas figurinhas nunca tinham sido impressas. O melhor e mais precário álbum que já tive se chamava "Olé" e era desatualizadíssimo. Reunia, como todo bom time de futebol de botão, pernas-de-pau já aposentados, cenas de campeonatos peremptos e ídolos de bigodinho que, nos meus verdes anos de calça boca-de-sino e cabelo "black-power", já haviam sido esquecidos pelas multidões.
O desajuste, é verdade, mantém-se agora, mas com sinal contrário. Jogadores que supostamente participariam da Copa deste ano foram cortados, contundiram-se, e o álbum já deixou de retratar o tempo presente.
Todo colecionador, assim, corre em vão rumo ao futuro, para realizá-lo apenas como um testemunho do passado. Desfiz-me dos meus antigos álbuns de figurinhas. Se pudesse reabri-los, sem dúvida gostaria de novamente verificar que ficaram incompletos.
Ainda espero que, numa banca de jornal perdida no fim do mundo, possa achar num pacotinho aquele Mengálvio, aquele Dino Sani que me faltavam para completar a coleção. A coleção? Melhor dizer: a página. Para que o álbum, com suas lacunas irritantes e figurinhas impossíveis, não se feche jamais.

Marcelo Coelho - Folha de São Paulo - 19/05/2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

The fool on the hill

Estou escrevendo a próxima crônica ouvindo propositalmente The fool on the Hill (Paul McCartney). O tema fala dessa coisa de escalar montanhas, ou colinas. Talvez um tolo mesmo que se mete a fazer o que não sabe. Enfim, lições tiramos de tudo e o limites também. “Eu não tenho mais tempo para errar”, vem de um conversa com mulheres que estão preocupadas com o seu tempo. O que fazer com ele?

Day after day,
Alone on a hill,
The man with the foolish grin is keeping perfectly still
But nobody wants to know him,
They can see that he's just a fool,
And he never gives an answer,

But the fool on the hill,
Sees the sun going down,
And the eyes in his head,
See the world spinning 'round.

Well on the way,
Head in a cloud,
The man of a thousand voices talking perfectly loud
But nobody ever hears him,
or the sound he appears to make,
and he never seems to notice,

But the fool on the hill,
Sees the sun going down,
And the eyes in his head,
See the world spinning 'round.

And nobody seems to like him,
they can tell what he wants to do,
and he never shows his feelings,

But the fool on the hill,
Sees the sun going down,
And the eyes in his head,
See the world spinning 'round.

Ooh, ooh,
Round and round and round.

And he never listens to them,
He knows that they're the fools
They don't like him,

The fool on the hill
Sees the sun going down,
And the eyes in his head,
See the world spinning 'round.

Ooh,
Round and round and round

segunda-feira, 17 de maio de 2010

ESPELHOS NOS OLHOS OCEÂNICOS

Debruçado na tarde, lanço a mais triste rede aos teus olhos oceânicos.
Nela se estende e arde na mais alta fogueira minha solidão que gira os braços como um náufrago.
Faço rubros sinais a teus olhos ausentes que ondulam, como à beira de um farol, o oceano.
Guardas apenas trevas, fêmea longínqua e minha.
De teu olhar emerge às vezes o litoral do espanto.
Debruçado na tarde lanço a mais triste rede a esse mar que sacode os teus olhos oceânicos.
A noite galopa em sua égua sombria esparramando azuis espigas pelo campo.
Os pássaros noturnos bicam as primeiras estrelas que cintilam como minha alma quando te amo.
Debruçado na tarde lanço na rede o meu coração, tentando atingir o seu, através de teus olhos oceânicos.
(Pablo Neruda)

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Comida de Buteco - Receitas de BH

Bolinho de bacalhau
Ingredientes:
1 kg de batata
1/2 kg de bacalhau saithe
2 ovos
1 xícara de farinha de pão
1 pitada de pimenta-do-reino (1 colher de chá).
1/2 molho de salsinha picadinha
Tempero alho e sal a gosto (+ ou - 1 colher de chá)
Preparo:
Deixar o bacalhau de molho, trocando a água diversas vezes durante 6 horas. Cortar o bacalhau em
pedaços, cozinhar em água e desfiar bem fininho. Cozinhar as batatas sem casca e espremer no
espremedor. Colocar todos os outros ingredientes em recipiente e amassar até formar uma massa
uniforme. Fazer bolinhas e fritar em óleo bem quente.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O futebol Arte — Um recado a Paolo Rossi


Certa vez perguntei para meu sobrinho — naquela época com 12 anos — como foi o jogo de futebol do campeonato que estava disputando. Ele me respondeu com um sorrisinho: “Ah, perdemos de 5 x 1..., mas eu dei dois chapéus e um vão de perna.” Achei sua resposta fantástica. O que importa o placar se eu fiz a minha arte? O que importa se perdemos, se eu fui genial? O que importa a derrota, se já nos julgamos vencedores pelo que fizemos? Nós, brasileiros nascemos assim: apaixonados por futebol; e desde cedo já sabemos justificar nossas derrotas na maneira mais inocente num sorriso de uma criança. O que importa é fazer “arte”, dar espetáculos.

Não existe paixão maior que a de um torcedor pelo seu time de coração. Ouso dizer, esta união é verdadeira e leal: na saúde, na doença, na alegria, na tristeza e até que a morte vos separe. A herança de escolher para que time torcer — e isso é uma paixão para o resto da vida mesmo —, vem de nossos pais ou de nossos irmãos mais velhos. Sempre haverá esta influência, pois muito cedo somos inseguros em fazer outras escolhas, quanto mais para que time torcer. É claro que existem alguns que decidem não por influência, mas escolhem torcer pelo time do momento, ou seja, o time sensação da temporada. Com certeza, o momento do time do Santos-2010 fará engrossar o número de torcedores nas arquibancadas e pelo país a fora. Com seu futebol alegre, moleque tem atraído muitos pequenos torcedores já no berço.

Comigo, a influência futebolística foi de um dos meus irmãos, já que meu pai pouco gostava de futebol. Meu irmão, torcedor do palestra, colecionava revista “Placar” e sempre colocava no meu colo algum texto para eu ler – é claro que sempre do Palmeiras. Naqueles primórdios da década de setenta, eu só sabia de futebol pela Seleção do tri-campeonato; aquele time de Pelé, Tostão, Rivelino e Gerson. Dois anos depois da conquista do mundial comecei a torcer com paixão pelo Palmeiras. O time era a “Academia” comandada por Ademir da Guia, Leivinha, Luis Pereira e César, o maluco. O Palmeiras ganhou o segundo campeonato brasileiro em cima do Botafogo-RJ em 1972, depois foi bi-campeão no ano seguinte já contra o São Paulo. Até aqueles meus primeiros anos de futebol, só conhecia vitórias, conquistas e glórias. Colava meus pôsteres na parede, criava meus ídolos que, além desses do Palestra, havia Reinaldo do Atlético-MG. Até hoje não vi jogador como Reinaldo. Ele era um goleador nato, pois seu futebol tinha a ver com aquilo que mais apreciava: a arte.

Assim, como tudo na vida nem tudo são flores — mesmo na vida de um novo torcedor —, veio a primeira decepção ainda naqueles meus 20 anos. Era decepção sim, pois não imaginava que iríamos perder um titulo jogando o verdadeiro futebol brasileiro, com muita arte. Não estou falando do meu palestra, pois já entendia que não era fácil manter um time no auge por tantos anos e ganhando títulos, falo da Seleção de 82.

Em 1982, a Seleção Brasileira era comandada pelo “Mestre” Telê Santana, que vinha do meu Palestra. Telê tinha a pecha de ser um técnico exigente demais, detalhista, mas que gostava do futebol para frente, de atacantes. Naquela seleção havia um desconforto, a maioria dos torcedores não entendia porque o time de Telê não tinha ponta direita. E todos achavam que havia ali a teimosia do treinador turrão. E a seleção foi para copa da Espanha desacreditada, capenga e sem saber o que iria acontecer. Já nos primeiros jogos começamos a perceber a genialidade do time e de seu treinador. O meio de campo era um quadrado mágico formado por Sócrates, Zico, Falcão e Cerezo. O time jogava por música e os adversários não conseguiam parar o ataque, que só fazia gols magníficos. Ah, o ponta direita? Não havia um fixo, todos caiam por aquele lado do campo, como se ali fosse o terreno fértil para brotarem os gols.

Tudo ia bem, já éramos consagrados como a melhor Seleção da Copa, até que veio um trem desgovernado e nos atropelou. Horas antes daquele fatídico jogo contra a Itália, lembro ter assistido na TV uma entrevista com o avô de Bruno Conti, ponta direita da Itália. Um velho sapateiro do interior da Itália; um homem otimista, alegre e orgulhoso do neto. Como um inoportuno vidente, disse que não tinha dúvidas que a Itália sairia vencedora daquele jogo, embora o mundo todo pensasse e torcia o contrário. Acho que os deuses do futebol já haviam lhe soprado nos ouvidos o que iria acontecer. A previsão ou inspiração daquele velhaco foi de um bruxo diante de sua bola de cristal; e uma desgraça iria cair sobre nossas cabeças naquela tarde que seria conhecida como a “Tragédia de Sarriá” — nome do estádio que mais tarde seria demolido pelo governo Espanhol.

Dou-me o direito de não comentar ou sequer lembrar-me dos gols do nosso algoz, prefiro então ficar com a imagem de Falcão ao fazer o gol de empate de 2 x 2. Ele gritava e de braços abertos corria em direção ao lado do campo junto dos outros jogadores. Parecia que havia sido cometido por uma alegria que já não cabia em seu corpo. Mais tarde, descobri que o compositor Francis Hime havia feito uma canção chamada “Falcão”, justamente para descrever aquela cena. Depois da derrota por 3 x 2, com três gols de Paolo Rossi, apaguei. Quando acordei, demorei até minha ficha cair e compreender que o futebol também traz amarguras e desapontamento. No dia seguinte, ainda cabisbaixo fui até o jornaleiro e comprei o “Jornal da Tarde”; a capa trazia estampada a fotografia do filho mais velho de Zico com os olhos cheios de lágrimas. Aqueles olhos marejados representavam o choramingo de toda uma nação. Dobrei o jornal sem lê-lo e guardei comigo até hoje.

No futebol arte não havia espaço para mediocridade, descompostura, deselegância, grossura; a bola tinha que ser bem tratada como pincel na mão de um artista, o campo a sua tela e o gol a sua rubrica. Na vida como na arte não interessa se iremos perder aqui ou ganhar ali, por um simples placar ou de goleada; mas sim, interessa muito sermos lembrados pelas jogadas de mestre que faremos, pelos “chapéus” e “pedaladas” à frente do adversário. Seremos mais lembrados por isso.

Se vivesse aquela copa, meu sobrinho com certeza também iria achar Rossi um jogador repugnante, tosco, deselegante, de gols feios; e a Itália um time com futebolzinho de resultados, mais nada. Por outro lado, se alegraria com Zico e diria: é maior do mundo; Falcão, o mais elegante e genial de todos; Sócrates, o jogador que tem olhos no calcanhar direito; e Éder, o ponta que coloca as bolas com os pés como um jogador de basquete faz suas cestas na linha dos três metros.

O futebol arte morreu naquela Copa, foi enterrado junto com o Estádio Sarriá. Telê viveu tempo suficiente para ter outras glórias e ser campeão mundial interclubes, mas também para a angústia de terminar a vida sem ser campeão mundial com aquela Seleção. Quanto a nós, que presenciamos aquilo tudo, devemos reverências ao sagrado futebol daquela Escrete de Ouro que encantou o mundo. Passado esses anos, ainda carrego comigo esse trauma: toda vez que algum outro time no mundo ousar jogar como aquela Seleção de 82, penso que haverá um Paolo Rossi para estragar com a festa. É inconteste, ele odiava o futebol arte; e eu para sempre vou odiar Paolo Rossi.
(*) dedicado ao Thiago, autor de dois chapéus e um vão-de-perna.

©Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2010.

sábado, 8 de maio de 2010

Tarde de verão

Nublou na tarde vadia
Achei meu olhar perdido
A mesa cheia de papeis
Na fresta do dia:
Ela ainda vai estar onde eu estiver
Nas estrelas ou no elevador
Quando a chuva passar
E o destino se lançar
Em que lugares, livrarias, cafés?
Na missa de natal
Na tarde torrencial
Seus sapatos molhados
Não combinam com a chuva
Meu paletó sobre a poça dágua
Será seu abrigo por um instante

Minha doce amada
Será que ela vai me olhar?
Com tantos na espreita
Sem esperar, ela sorriu e desabrochou.
Como o sol em meio aos pingos
Nas folhas prateadas
Com um buquê de rosas
Encheu toda cidade
Na tarde raiou.

©Antônio (2007)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Comida de Buteco - Receitas de BH

Caldo de feijão de corda com carne seca e cachaça

Ingredientes:
Feijão de corda novo
Cachaça de boa qualidade
Carne de sol
Cebola
Folhas louro a gosto
Alho
Sal com alho
Cheiro verde
Pimenta dedo de moça
Banha de porco

Preparo:
Cozinhar o feijão juntamente com a carne de sol, quando o feijão estiver cozido, separar a carne de sol se estiver desfiando está pronto, se não, cozinhar apenas a carne com a água do feijão, quando a carne estiver no ponto de desfiar, desligar a panela. Desfiar a carne no pilão grosseiramente. Bater o feijão no liquidificador. Refogar em uma panela a cebola, o alho em uma colher de banha, quando estiver tostado acrescentar sal com alho, louro e a carne, refogar por alguns minutos e virar o feijão e deixar ferver para reduzir um pouco de água. A parte toste a pimenta inteira no forno ou em uma frigideira teflon sem óleo.
Em uma vasilha própria para caldos vire o caldo, arrume com cheiro verde a pimenta tostada e por último, já à mesa junte um cálice de boa cachaça no caldo e bom proveito.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

No Portal

A crônica "Um bocejo de Deus" está postada no Portal www.saojosedoscampos.com.br

Segue o link para acesso e comentários. Novamente agradeço ao Mauricio Cury pela divulgação.

http://www.saojosedoscampos.com.br/opiniao/index.php?id=38265&cat=68

Antonio / maio / 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

Extinguere


“Depois de te perder. Te encontro, com certeza. Talvez num tempo da delicadeza. Onde não diremos nada. Nada aconteceu. E apenas seguirei, como um encantado ao lado teu.” (Chico Buarque)
Tudo o que destruímos não volta mais. Já pensaram nisso? As flores, os bichos, a floresta, as matas, os rios. Pois é, milhares de outras espécies raras ou não raras, hoje correm risco de desaparecer; e na grande maioria tudo pelo descuido e falta de zelo do próprio homem com o meio ambiente. Tudo que se extinguir da face da terra ficará somente na nossa lembrança, como num álbum de retrato amarelo e empoeirado. Passarão mil anos da nossa existência, sentiremos necessidade de alguma forma de tudo aquilo que era essencial ao equilíbrio das forças que mantém nosso planeta em pé; e agora não volta mais, pois não demos a eles a devida importância quando ainda viviam por aqui. Assim, ficarão extintos para sempre das nossas vidas. E nossas vidas mais fragilizadas do que nunca.

O cientista Carlos Nobre da Academia Brasileira da Ciência na sua brilhante palestra “Ainda é tempo”, falou sobre as questões ambientais, a Era Antropoceno, as mudanças climáticas e o papel do homem na preservação do planeta. Diante de tudo que expôs, com muita propriedade, diga-se de passagem, algo me chocou. Sobre a inevitabilidade da extinção de muitas espécies da fauna e flora; disse que três espécies desaparecem do planeta a cada hora. Do latim extinguere, não tinha me atentado para a força da palavra extinguir; que também quer dizer eliminar da existência. Nobre foi claro, quando as espécies são extintas, não haverá mais meios de reproduzi-las como antes, por modo algum. Elas simplesmente acabam para sempre, desaparecem. Aí, eu complemento que somente Deus, na Sua plenitude e grandeza, poderá trazer de volta aquilo que o homem não ajudou - na forma mais justa do uso dos recursos naturais – a preservar direta ou indiretamente, em detrimento às suas ambições e egoísmo sem trégua. Fiquei pensativo com esta conclusão e me voltei para as coisas que também nascem e devem ser cultivadas dentro de nós. Falo é claro, do amor.

Todas as vezes que alguém que amamos se vai, com o tempo, o amor ou o pouco que restou dele, vai se extinguindo dentro de nós, e todos os nossos sentidos e direções vão caminhando, fluindo para que ele nunca mais reine ali; vai desaparecer como um raio, um nevoeiro que se dissipa mar adentro. Matamos aquilo que não é conservado, cultivado e preservado. Como acontece na natureza, nunca mais aquele amor que não cuidamos será reproduzido dentro de nós. No coração há que se ter o cultivo, a preservação, do amor de quem dá e daquele que o recebe. Outros amores poderão nascer quando nova semente for lançada, mas aquele antigo e sem cuidado entrará em processo de extinção, e mais cedo ou mais tarde acabará. Isso quer dizer que, nunca mais seremos o mesmo para aquela pessoa e ela para nós. Também ficará como num álbum de retratos, somente recordações.

Chico Buarque, ao escrever a letra da canção “Todo Sentimento” —1987, revela um amor que se ausenta, que se propõe perder-se para dar um tempo de se reconstruir e renascer; como se o amor por aquela pessoa pudesse ressuscitar num outro tempo, aquele do momento da delicadeza. “Um tempo que refaz o que desfez / Que recolhe todo o sentimento / E bota no corpo uma outra vez”. Chico é soberbo em tudo que escreve.

Em outra de sua canção “Futuros Amantes” — 1993, o amor é colocado como um sentimento que não se apropria do ser, mas uma partícula solta no universo: sem tempo, sem espaço, sem pressa de acontecer. O amor numa visão arquétipa e sem fim. Um tesouro perdido, onde futuras gerações encontrarão e tentarão decifrar seus códigos; assim como hoje arqueólogos preservam ruínas de antigas cidades, tentando entender a origem da humanidade. Na letra de Chico, o Rio de Janeiro é uma cidade engolida pelas águas do mar, depois de uma grande catástrofe que devastou toda terra e seus habitantes. Os povos daquela nova civilização vão em busca da cidade perdida e seus mistérios, no fundo do mar. Encontram fragmentos de cartas e poemas (de amor). Ao descrever este amor — já que amores serão sempre amáveis —, ele sugere que mesmo as futuras gerações mais evoluídas poderão se amar com um amor que ele deixou para sua amada, um velho amor. Como assim dizer, o amor não morre, ele é guardado. Depois de encontrado se instala em outras pessoas. Mesmo que para isso passem milênios, milênios.

Na poesia, na literatura, nas letras das canções tudo é permitido “viajar”, ou como falamos em arquitetura: no papel se aceita tudo. Assim como o amor que se guarda por milênios para florescer em outro ser, ou aquele que é conservado em formol para se reconstruir no tempo da delicadeza. Tudo é poético e aceitável, mas o que vejo aí é, na verdade, a extinção do amor que se esfacelou por desmazelo. Não há como juntar mais os cacos ou ressurgir num futuro, sem ressentimentos. Se aquilo era o aconchego, admiração, o colo quente, a joia rara, a flor mais bela que cresceu dentro de nós, como deixar que se extinga assim?

Como já disse, um novo amor poderá nascer quando assim esvaziarmos o coração e permitimos; mas aquele velho, bem, este já morreu e não irá renascer com a luz de uma nova manhã. Às vezes, por uma simples palavra que se lança num instante de tempestade e desatino, tudo pode virar ruínas e colocar o amor na fogueira do tempo. Nunca mais sentiremos o cheiro e o perfume daquele que amávamos; olhares com admiração não farão mais gentilezas; não esperaremos mais por aquela pessoa com um coração batendo a mil por hora. Isso não existirá mais. Aprenderemos, sim! Pois, algo de bom vai ser extraído daquelas cinzas.

Aprenderemos com o passado, a conservar melhor aquele novo amor que iremos cruzar pelo caminho; conservar para que à mesa da alma nunca falte o alimento essencial: o amor. Para que num novo encontro, o amor seja conservado, cultivado e preservado, pois definitivamente aprendemos a dar importância só quando já não temos mais.

Talvez Carlos Nobre, cientista, não tenha pensado em extinção por este lado, mas eu pensei — olhando para dentro do homem. Digo também que existe a mesma gravidade da inevitabilidade da extinção a que se referiu o cientista, pois em ambos os lados há a presença dele (homem) como agente transformador de um ambiente: na alma e fora dela. Quando ele não preserva às espécies do ambiente onde vive, terá o mesmo descuido com relação também ao amor, no ambiente onde deveria reinar.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2010.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Você já aprendeu a descascar laranja?


Gostaria de compartilhar com vocês a bela crônica escrita pelo meu mano Zeca. Esta crônica está no portal www.cronistas.com.br. Como já se tornou público, acho que o autor não se importaria de publicá-la novamente aqui. Vale a pena ler pelo conteúdo e liçoes de vida nas suas palavras.

Ei Ricardo, você já aprendeu a descascar laranja?

Dias desses estava eu lendo a crônica do Zé Ricardo sobre a descoberta que seu filho, fictício espero, fez dos antigos brinquedos dele, Ricardo. E comecei a pensar sobre as diferenças entre nossas infâncias, em especial dos nossos brinquedos. A minha geração, restrita é claro, ao mundo mais próximo que nos cerca, foi a última que teve o feliz privilegio de fabricar seus próprios brinquedos. Restrinjo essa observação ao mundo mais próximo de mim porque numa extensão maior a industrialização atingiu as pessoas em épocas diferentes. Da mesma forma que na época da minha infância já havia em muitos lugares crianças brincando exclusivamente com brinquedos industrializados, certamente hoje ainda há, em muitas partes do mundo, crianças fabricando seus próprios brinquedos. Eu mesmo, já ganhava brinquedos de loja no Natal, mas somente nessa época. E esses brinquedos duravam no máximo um mês; tempo mais que suficiente porque o interesse por eles, como em qualquer criança de qualquer época, não durava mais que 15 dias. O resto do ano nós mesmos fabricávamos nossos brinquedos. A matéria prima era a encontrada no dia a dia sendo a mais versátil um pedaço de ripa de madeira que podia se transformar num revolver ou num carro, ou mesmo num caminhão. A ferramenta principal era a faca de cozinha de nossas mães que nos intervalos entre as refeições se transformava de simples cortador de carnes e legumes em um cinzel digno de um Michelangelo, esculpindo madeiras e pontas de dedo. Ainda hoje, por conta dos golpes de faca que nem sempre atingia o alvo desejado, conservo com muito orgulho as cicatrizes e a ponta do dedo indicador direito assimétrica. Sendo eu canhoto, quem sofria esses golpes eram os dedos da mão direita. E de nossas hábeis mãos saiam pipas, peões, revólveres, carrinhos; estes bastantes toscos, é verdade, mas muito bem ornamentados pela nossa imaginação. Ah, sim, tinha também o cinto feito de embalagem de cigarro e que não servia para nada, mas era gostoso de fazer. O encanto da coisa era que de cada um deles nós conhecíamos, por assim dizer, a alma. Dê um brinquedo a qualquer criança e certamente, depois de um exame superficial, depois de explorar os limites do brinquedo, o passo seguinte será descobrir o que é que tem dentro do brinquedo. Nós sabíamos. Nossos brinquedos não eram feitos somente de madeira toscamente lavrada, de papel, de linha de costura ou mesmo de restos de folha de plástico. Sim, já havia material plástico, embora não na variedade que existe hoje. Em nossos brinquedos havia também o sangue de nossas mãos, havia o suor das longas horas esmerilhando a ponta do pião no cimento da calçada, havia a nossa criatividade em encontrar maneiras de, com tão pouco recurso, fazer algo que pelo menos se parecesse com o objeto desejado. O prazer que o brinquedo proporcionava depois de pronto era tão efêmero quanto o de qualquer outro; porém o prazer começava antes: iniciava-se na sua concepção e se prolongava pela sua execução. E nessas fases o prazer que sentíamos era, guardadas as proporções, o mesmo que sentiram um Miguelangelo, um Cellini, um Rodin. Assim já dizia Monsier de Montaigne: "... não há prazer conhecido cuja própria procura em si já não constitua uma satisfação. Ela liga-se ao objetivo visado e contribui muito para o resultado de que participa essencialmente. A felicidade e a bem-aventurança da virtude enchem-lhe as dependências e os caminhos desde o portão de entrada até os muros que lhe cercam os domínios". Bonito isso, não é não? Bonito e muito sábio. Todo mundo, especialmente cronistas, deveria ler Montaigne. È muito melhor, muito melhor mesmo, que Paulo Coelho. E não dá câncer. De todos os brinquedos o mais simples de fabricar era a pipa. Um pedaço de bambu, matéria prima relativamente fácil de se encontrar na época, para as varetas, papel de seda, que na falta era substituído por folha de jornal mesmo, grude de farinha de trigo e linha surrupiada da costura de nossa mãe. Tinha alguns de nós que comprava pipa pronta de outros ou comprava varetas prontas no armazém. Eu nunca admiti tal heresia. No máximo eu permitia que alguém participasse da fabricação das minhas. E o mais sofisticado de todos era a carretilha para enrolar linha da pipa. Ah, a carretilha. A única que consegui fazer era muito tosca perto da que alguns dos meninos tinham, encomendada por seus pais a algum marceneiro. Ao mesmo tempo que olhava com inveja essas carretilhas bem elaboradas, sentia por elas um certo desprezo por saber que não tinha sido feito pelo menino. A mesma inveja e o mesmo desprezo que senti pela figurinha carimbada do Mazolla que o pai de um garoto comprou para ele. Que graça tinha? Gloria mesmo seria comprar a bala, que se jogava fora tão ruim era o gosto, e encontrar o troféu dentro. Creio que muitos de vocês não entendem bem do que estou falando. Nem o que é uma carretilha de soltar pipa nem quem foi Mazolla. Perguntem a seus pais ou avós. Certamente, as cicatrizes nos dedos foram plenamente compensadas pelo prazer de ver algo idealizado por nós tornar-se algo real, como qualquer artista. E como recompensa adicional adquirimos certo talento em manusear objetos, ferramentas. Habilidade que foi negada aos meus filhos porque minha esposa, devo confessar que com a minha conivência, zelosa de seu dever de mãe de proteger seus rebentos, nunca permitiu que nenhum deles chegasse sequer perto de uma afiada faca de cozinha. A laranja era já entregue bem descascada a eles. E é por isso que até hoje eles não sabem descascar uma laranja.
Ei Ricardo você já aprendeu...?

José Maria de Oliveira, 56 anos, Engenheiro Mecânico - Natal/RN.

No forno...

Bom dia meus leitores (ras),
A próxima crônica já está no forno... O tema vai de encontro ao anterior, na mesma linha de "Um Bocejo de Deus", falando sobre a meio ambiente e preservação do planeta. A tônica agora é a extinção das espécies e também dos sentimentos que movem todos nós. Extinguere. Aguardem.
Antonio

domingo, 2 de maio de 2010

Alice e o espelho


Fui ver Alice no País das Maravilhas do Tim Burton. Maravilha mesmo é o 3D do filme. Fantástico! Aí eu penso: como o cinema evoluiu com tanta tecnologia. Sempre fui vidrado por esta história. Alice era um livro da minha infância, depois veio o desenho de Walt Disney e isso ficou muito bem registrado na minha cabeça. Quando tinha 20 anos, escrevi um poema cujo título faz alusão à Alice e seu companheiro, o espelho. Na verdade, o espelho é seu eu, seu interior (alma) com quem ela fala e desabafa.

Alice e o Espelho

Alice dormiu
E o espelho se abriu
Esparramou no lençol
Uma doce lembrança
Um sonho de moça
E uma tempestade
Caiu lá fora
Então, ela se enfeitou
E penetrou no espelho
Um país em chamas
Um estranho mundo
Navios sem rumo
Um quadro negro
Nenhum amigo
Nem lua cheia
E ela sentiu

Alice saiu
E o espelho a seguiu
Na mobília do hall
A tola lembrança
O embriagado
Seu namorado
Que foi embora
Em vão, deixou o cobertor
E escreveu no espelho
Com um pouco de rouge
Seu nome e o dele
Depois um grito
Algumas lágrimas
E uma estrela
No céu, sozinha
Ela se viu

Alice sorriu
E espelho partiu
Em pedaços se fez
Num passado longínquo
A flor que fizera
De uma primavera
Brotou na aurora
Pois sim, ela se penteou
E falou ao espelho:
- não há no mundo
alguém mais linda.
E sua estrela
Que andava alhures
Voou de volta
Pra sua janela
E ela se abriu.

© Antônio / 1984

sábado, 1 de maio de 2010

Como encontrar um bom restaurante

Este texto foi escrito há um tempo, mas ainda continua atual, pois o problema ainda persiste e parece não perceptível para muitos.
Como encontrar um bom restaurante

Há tempos ouvimos queixas das poucas opções noturnas em São José dos Campos. Mas chegar a ponto de termos maus tratos de donos de estabelecimentos a clientes, aí já passou da conta.
Outro dia li um e-mail, onde o remetente testemunhou a ameaça do dono de um restaurante em São José a um cliente. De arma em punho, valente, o próprio partiu para cima do cliente, segundo o e-mail. Por motivo torpe, verdade ou não, - não recebi a resposta até agora com a versão do estabelecimento -, isso é muito sério, até como um caso de delegacia. Mais recente, vi matéria televisiva em que uma cliente ao reclamar sobre a presença de um bicho na sua salada, foi quase enxotada do estabelecimento pelo gerente do restaurante. Nota-se que nesses dois casos, os maus tratos não partiram de funcionários e sim dos proprietários ou representantes desses.
E-mails, Procon, BO´s, pode ser que se resolva em longo prazo, ou pelo menos nos faz sentir melhor com o ressarcimento dos nossos prejuízos morais e, diga-se de passagem, o assédio moral é pior que ser lesado por uma conta errada. Em suma, o que podemos extrair disso tudo é que, nossos estabelecimentos comerciais vão de mal a pior no tratamento ao público, do qual eles dependem para existir.
Muitos se prezam em dar receitas da qualidade. Escolhem ambientes lindos, climatizados, bem decorados, menus variados, cartas de vinhos, e com garçons bem trajados e perfumados, mas param por aí. É premissa que donos desses estabelecimentos tenham a sagacidade de reconhecer e conhecer muito de perto seu cliente. Saber, de fato, o quê o faz sentar-se a sua mesa. Na minha parca análise, penso que o atendimento em si é o verdadeiro cartão de visitas. E aqui faço uma ressalva, o atendimento na medida: nem para mais, nem para menos. Digo isso, porque deixei de frequentar um restaurante na cidade pelo excesso cometido por um garçom/metri que, de tanto dar sugestões e apontar seus predicados, interrompia o assunto da mesa a todo o momento. Encheu a paciência. Antes de tudo há que serem treinados, sutis, generosos, simpáticos e agradáveis. Falar mesmo, o necessário.
Atender bem não deveria ser diferencial para reconhecer este ou aquele estabelecimento, pois isso é mister e, pagando bem que mal tem?
Outra tônica desta questão, é que em São José é difícil encontrar um restaurante para jantar depois das 24h. Quando saímos do cinema, ou de uma peça de teatro, parece que a fome nos acompanha. O penoso trabalho é encontrar um restaurante depois desse horário. Quando encontramos alguma porta aberta, vem sempre aquela informação como um sorrisinho amarelo: “já fechamos nossa cozinha...”. Em outros casos, as cadeiras vão sendo colocadas sobre as mesas com as portas já semicerradas. Apelamos então para o carrinho de cachorro quente, um caldinho ou vamos dormir com aquele macarrão instantâneo no estômago.
Como encontrar um bom restaurante? A tarefa é árdua com tantos queixumes e a falta de bom trato com o público de maior interesse: o cliente bom gourmet.
Como todos nós já sabemos, a noite é uma criança. O problema é que, a noite que tem nos feito pensar muito em sair de casa para jantar, nos parece mais um velhaco: cansado, ranzinza e mal educado.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / maio de 2010.

Agradecimento...


Faço aqui um agradecimento em público ao Maurício do Portal São José dos Campos, pela publicação da crônica “Jardins da Infância”. Antes de ser postada aqui, por sugestão dele, fiz a postagem lá. O resultado foi surpreendente. Tenho recebido muitos e-mails com elogios e de pessoas que se identificaram com a proposta. O mais recente foi de um professor da UNIVAP que o fez pessoalmente, num encontro casual. Agradeço a todos por me lerem. Como tenho falado, não sou um escritor, cronista contumaz, pois escrever não faz parte do meu dia a dia, mas isto é uma coisa que me persegue há tempos. Agora me deixei levar pelas palavras. Estou engatinhando. Obrigado.