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quinta-feira, 29 de julho de 2010

A noite que não terminou

Ao lado do grupo MPB-4, Chico Buarque defende "Roda Viva" na final do festival de 1967, exibido pela TV Record; a canção ficou em terceiro lugar

Estreia amanhã (30/07) em circuito nacional - menos nas cidades interioranas como a minha - o filme "Uma noite em 67". Reproduzo abaixo trecho da matéria que o jornal Folha de São Paulo trás hoje em seu Caderno Ilustrada, com comentários sobre o filme. De fato, é um filme para ver, rever e ter em DVD; para guardar como documentário. Vale a pena. Este Festival foi o divisor de águas e marcou o início de uma nova era na nossa música popular. De lá para cá não fizemos mais tantos artistas de alto nível assim. Uma pena.

(Folha de São Paulo 29/07/2010)
Longa refaz história da MPB a partir da grande final do festival de 1967; arquivos e entrevistas revelam bastidores e acertam contas com o passado.
ANA PAULA SOUSA
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

É impossível esquecer aquela noite. Ao mesmo tempo, como é difícil recordá-la.
A final do 3º Festival da Música Popular Brasileira, exibida pela Record em 21 de outubro de 1967, ficou congelada na memória do público como um momento único.
Para seus protagonistas, porém, se foi alegria, foi também perturbação. É isso que revela, quatro décadas mais tarde, "Uma Noite em 67", documentário de Renato Terra e Ricardo Calil, crítico de cinema da Folha.
Por meio dos arquivos da TV Record e de depoimentos de quem estava lá, o filme revê um momento que iria se provar fundamental para a forma que assumiria, a partir dali, a música brasileira.
Há Chico Buarque ("Roda Viva"), Caetano Veloso ("Alegria, Alegria"), Gilberto Gil ("Domingo no Parque") e Roberto Carlos ("Maria, Carnaval e Cinzas") a defender suas canções. E há todos eles a rememorar aquela noite.
"Eu era um fantasma no palco", diz Gil, que caiu de cama, em pânico, horas antes da apresentação.

INTIMIDADE
É desses reencontros profundos com o passado que se constitui o filme. Fica claro que os diretores sabiam que muitos, como Caetano e Gil, tiveram suas falas sobre aquela noite banalizadas, tamanha a quantidade de entrevistas dadas a respeito.
Tinham também em mente que outros, como Chico e Roberto, dificilmente baixariam a guarda. "Era fundamental criar uma cumplicidade. Nós nos preparamos muitos e tentamos ser delicados, respeitosos", diz Calil.
Com isso, arrancaram de cada um momentos de graça, emoção e intimidade, como raras vezes se veem na tela.
"Ao ver o filme, assustei-me mais com suas revelações do que em me ver naquela agonia de não poder mostrar uma música", diz Sergio Ricardo que, impedido pelo público de cantar "Beto Bom de Bola", atirou a viola à plateia. O filme traz à luz a cena inteira, e não apenas a explosão. "Me sinto de alma lavada."
Há também um quê de acerto de contas no que sente Marília Medalha, que cantou, com Edu Lobo, "Ponteio", a grande vencedora da disputa de jovens gigantes.
"Fui espoliada após o festival, não só por pessoas da música, mas também por artistas do universo teatral", diz. "Com o AI-5 [1968], o negócio piorou muito. Num show com Vinicius [de Moraes], fui proibida de cantar "Ponteio". Não descobri se era por causa da música ou por saberem que tinha vínculos com presos políticos", diz.
A entrevista com Medalha, como dezenas de outras - entre elas as de Ferreira Gullar, Chico Anysio, Arnaldo Batista, Martinho da Vila-, ficou fora do corte final do filme. Estarão todos no DVD.
A opção de concentrar-se nas cinco primeiras classificadas faz com que cada canção seja vista de ponta a ponta. Por meio dessas imagens, o espectador não só conhece os maiores artistas da MPB quando jovens, como também visita os primórdios da TV. Ali, o cigarro em cena era tão natural quanto o jovem Chico, com 23 anos, apresentar-se de smoking.

Chico revela mágoa com fama de "velho"

Em depoimentos para o documentário "Uma Noite em 67", ícones da MPB revivem as marcas deixadas pelo festival
Edu Lobo liga Tropicália a "roupas diferentes"; Gil diz ter sido levado ao movimento por insistência de Caetano.
De imediato, o maior impacto do documentário "Uma Noite em 67" está nas imagens de acervo da TV Record -as sequências completas de Chico, Caetano, Gil, Mutantes, Roberto, Sérgio, Edu e Marília defendendo suas canções.
Mas, colocadas em contraponto ao material histórico, são as entrevistas feitas especialmente para o filme -recentes, portanto- as responsáveis pelas grandes revelações sobre os personagens.
"O tropicalismo foi a fase agônica da minha vida musical", conta Gil. Para fazer todos os rompimentos -musicais e até pessoais- necessários à criação do movimento precisou que Caetano o puxasse pelas mãos, ele diz.
Edu Lobo, por sua vez, deixa claro que, 43 anos depois, não mudou muito o modo como entende o tropicalismo. Para ele, toda a revolução liderada por Caetano e Gil a partir daquela noite "girou mais em torno da atitude no palco e das roupas diferentes do que da música".
As tais roupas que Edu cita, usadas sobretudo pelos Mutantes e pelos Beat Boys -as bandas de rock que acompanharam Gil e Caetano em seus números-, foram introduzidas nos festivais a partir daquele ano.
Era praxe, até ali, que artistas se apresentassem na TV vestindo smoking.
Revendo sua aparição naquela noite -de smoking-, Chico Buarque diz que, então, não sabia que aquelas mudanças nos figurinos aconteceriam. Ou melhor: sabia, mas tinha esquecido.
Entre risadas, conta que estava sob efeito de álcool quando Caetano lhe falara, tempos antes da primeira eliminatória, sobre a ideia das roupas. Por isso, não chegou a registrar a informação.
Mas o clima da entrevista sai da anedota quando o autor de "Roda Viva" revela ter se sentido "muito sozinho" naquele período.
Pelo contraste com a estética pop tropicalista, percebeu estar imediatamente identificado como "o velho", "o conservador" -tanto em música quanto em atitude.
"É duro ser chamado de velho, ainda mais quando você tem 23 anos", afirma Chico no filme.
Provocado pelos diretores, Caetano concorda. "Era natural que ele se sentisse assim." Até aquela noite, Chico mantinha o posto de unanimidade nacional e nunca havia encontrado qualquer restrição. Foi a primeira vez.
Na manhã do dia seguinte, nenhum deles seria o mesmo. Nem ele, nem o Brasil. (APS E MP)

Militante revê no filme sua "atuação" como fã

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
"Quando as pessoas vaiavam, estavam vaiando a ditadura, e não as músicas."
A jornalista e militante Rose Nogueira, 65, explica isso enquanto assiste a "Uma Noite em 67" pela primeira vez. Quer dizer, pela segunda, já que ela estava presente no festival onde foi lançado o Tropicalismo, Chico cantou "Roda Viva" e Sérgio Ricardo quebrou um violão.
Ela era uma das moças "de tiara no cabelo, que já vinha com uma peruca" que adoravam Sérgio Ricardo e, claro, achavam Chico Buarque lindo. Rose tinha 20 anos na época. E continua achando Chico "lindo e com uma capacidade de construir poesia como ninguém".
Na tal noite de 67, ela ficou na parte de trás do auditório. E, ao ver o filme, relembra de tudo. "Olha o Sérgio Ricardo pedindo calma. Lembro exatamente disso. E nessa hora em que ele jogou o violão, nossa, fiquei em choque."
Apesar de achar Sérgio Ricardo "um charme", Rose torcia para "Roda Viva". "Está vendo ali? Eu era uma daquelas moças cantando "roda mundo, roda pião"."
A jornalista torcia para Chico em todos os festivais. Mas até hoje se emociona com "Alegria, Alegria".
"Que coisa maravilhosa. Essa hora em que todo mundo grita "eu vou" é emocionante. As pessoas estavam dizendo que não iam desistir. E o Caetano estava lutando com a poesia."
Ela acha que nem Caetano (e nem ninguém no Brasil) fez músicas tão bonitas depois "porque a ditadura veio e acabou com tudo".
As músicas podem não ter melhorado na opinião de Rose. Mas a aparência... "O Caetano era horroroso. Foi melhorando com o tempo. Desculpe, Caetano, mas você hoje é mais bonito."
"O Caetano também foi preso?", pergunta a cozinheira da casa. "Todo mundo foi preso." Até Rose, que um ano depois foi detida e torturada no presídio Tiradentes, onde permaneceu por oito meses. "Depois desse festival tudo mudou."

Brasil se revela por inteiro nos bastidores do festival

Diretores captam um país entre as marcas da província e as antenas da metrópole
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A última noite do Festival de Música Popular Brasileira de 1967 foi um desses raros momentos que condensam e catalisam as forças vivas de toda uma cultura.
Estavam ali não apenas artistas extraordinários em seu apogeu criativo, mas um caldeirão de elementos díspares numa rara e irrepetível sinergia: o berimbau e a guitarra elétrica, a poesia de vanguarda e o ti-ti-ti das revistas de fofoca, as marcas da província e as antenas da metrópole, o pop e a roça.
Diante desse evento singular, a virtude maior dos diretores Renato Terra e Ricardo Calil foi a de preservar uma certa modéstia e um escrupuloso respeito a todos os protagonistas e coadjuvantes da noite memorável.
O documentário busca transportar o espectador de hoje àquele ambiente sem intervir esteticamente, sem interpor interpretações políticas ou sociológicas, sem, em suma, "perfumar a flor", como diria o poeta João Cabral de Melo Neto.
Todos os depoentes são testemunhas presenciais e todos têm o que dizer. Por vezes ligeiramente contraditórios entre si, esses depoimentos ajudam a iluminar o acontecimento por vários ângulos e a construir os seus sentidos.
PROVÍNCIA X MUNDO
Mas o ponto mais forte do filme são as cenas de bastidores do festival, as entrevistas antes e depois das apresentações, em que transparece, nas perguntas dos repórteres e nas respostas dos artistas Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, um alegre descompasso entre uma televisão familiar, provinciana, herdeira do rádio, e uma música revolucionária, sintonizada com o mundo.
Tudo ali diz muito sobre uma época: as roupas, os penteados, a gíria, o humor. O país se revela inteiro em cada fotograma.
Lamentou-se já a ausência de uma fala da cantora Marília Medalha, intérprete da vencedora "Ponteio". Outros testemunhos poderiam ser enriquecedores: de Nana Caymmi, Hermeto Pascoal, Rita Lee. A lista seria interminável, e o filme também.
Material não falta para outros documentários, para extras de DVD ou para uma série de TV, que talvez seja o destino mais adequado para esse tipo de documentário mais jornalístico do que propriamente cinematográfico.
Mas o filme "Uma Noite em 67", por sua força compacta e seu caráter de celebração, vai bem, muito bem na tela grande.

UMA NOITE EM 67
DIREÇÃO Ricardo Calil e Renato Terra
ONDE estreia amanhã no Frei Caneca Unibanco Arteplex, Espaço Unibanco Augusta e circuito
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO bom

Antonio - julho / 2010.

sábado, 24 de julho de 2010

Vem cá Luiza

Sou um ouvinte de música resistente a coisas novas. Vira e mexe minha vitrola toca sempre os mesmos clássicos, os meus escolhidos. Conservador no gosto musical, temo também pela minha fidelidade posta à prova. Temo perder a minha identidade musical e sair do tom ou do Tom. Desculpa, mas sou assim. Bem, como nunca há unanimidade em tudo, às vezes acontece de aparecer alguém que me faz parar para ouvir e apreciar. Não que procure, mas surge do nada. Você vai resistindo aí acaba se envolvendo.
Em 1978, naquele programa de fim de ano pela Tv Bandeirante, Chico Buarque anunciou que uma cantora nova estava surgindo na MPB. Era Zizi Possi. Naquela apresentação ela cantou em dueto com Chico sua nova canção “Pedaço de mim”; aquela canção que tem uma das frases mais fortes de Chico: “A saudade é o revez de um parto / A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu.” É só pesquisar para ver que a gravação tem arranjo, solo de voz de Milton Nascimento e um bandolim tocado por Beto Guedes. Zizi não poderia ter começado melhor. Sua carreira depois dali, só decolou. Faz pouco tempo descobri que teve uma filha, que cresceu e hoje segue os mesmos passos.
A filha de Zizi, Luiza, tem algo encantador. Sua voz é doce, ela também compõe e tem um repertório vasto com músicas lindas como “Paisagem”. Influência ou não da mãe, ela - diferente de Maria Rita -,  tem voz própria. Não se preocupou em parecer ou cantar como a mãe – criou o seu público com sua voz.
Neste vídeo, extraído do DVD de Flávio Venturini “Não se apague esta noite”, além de soltar a  voz precisa que tem, espalha também graciosidade. A canção “Beija-flor” uma das mais lindas do repertório de Venturini, ganhou nova roupagem neste dueto com ela. Quando ouvi/assisti, fiquei repetindo várias vezes depois.
Tenho visto Luiza também pelas redes sociais na internet. Suas inserções no twitter são de uma artista que parece muito próxima, tem carinho e respeita o seu público. Sucesso, talento e vida longa na nossa nova MPB, esta é Luiza Possi.
Prometo que falarei de Tom Jobim também outro dia, eu ainda continuo fiel.

Antonio / julho 2010

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Julho

Queridos leitores (as):
Segue um poeminha novo pra aquecer este inverno. E falando nisso, pena que Roberto não canta mais uma das suas melhores canções: "...quero que você me aqueça neste inverno / e que tudo mais vá pro inferno". Li num livro que ele fez esta música pra uma namorada que o pai mandou morar no EUA, com o objetivo afastá-la dele (Roberto), pois não queria aquele namoro. Aí veio a canção.

Julho

Ainda que tardio
Julho, ela veio
Guardei palavras
Em meu coração
Corro atrás da lua
Vejo o tempo da janela
Ela veio me aquecer
Corro atrás do sol
Guardei canções
Julho, ela veio cantar
Na tua pele nua
Na cortina do tempo
Julho, ela me segue
Com seus olhos
Neblina de manhã
Rogo-te amor
Rogo-te paz
Remendo estes versos
E deixo este julho
Adormecer na espera
Um álbum de recordações
Até a nossa primavera

© Antônio / julho de 2010.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Passione


Em 2008, um crime chocou o país. Durante 04 dias um rapaz de classe média de 22 anos manteve em cativeiro e sobre a mira de um revolver outra jovem, Eloá Pimentel de 15 anos. Depois de várias tentativas de negociações, numa operação frustrada, a polícia resolveu estourar o cativeiro — sem querer julgar o modus operandi da ação —, no mesmo instante Lindemberg deu dois disparos em direção à Eloá; a quem tinha uma paixão platônica e por quem foi negada tal reciprocidade. Eloá faleceu depois no hospital e ele foi parar numa penitenciária onde ainda aguarda por julgamento.

O que havia de mal na vida e no passado daquele jovem atirador? Nada, ele era uma pessoa comum, descobrindo a vida, com seus sonhos, seus desafios e prazeres; mas, por trás daquele cenário de horror, havia sim um sentimento envolvido, algo maior que tudo que ele podia dominar dentro de si e por isso se deixou entorpecer. Quando cair em si, irá perceber que pôs fim também à sua própria vida.

Faz alguns dias outro crime aconteceu na minha cidade, pelos mesmos motivos: paixão. Um jovem de 25 anos matou e esfacelou a ex-namorada e seu algoz; dias depois, ao se entregar numa delegacia confessou friamente que primeiro havia matado o rapaz e depois a matou porque ela foi testemunha ocular e o motivo era ciúmes dela, de quem foi namorado. Tudo friamente.

Em ambos os casos, não havia motivo para tanta crueldade: tirar a vida de alguém. Ou havia? Difícil dizer não estando na pele, mas o desprezo foi determinante nestes casos; e depois a intolerância e não aceitação por derrotas. A justiça interpreta estes crimes como sendo passionais, hediondo, por motivação fútil. Não sou jurista para analisar os meandros que seguirão até o desfecho, mesmo porque a justiça dever ser fria e cautelosa.

Contudo, quero por em questão esse sentimento, muitas vezes doente, que é a paixão; e que para muitos há uma confusão com outro chamado Amor. Lindemberg não tinha amor por Eloá, senão não a teria matado. O que fez praticar aquele crime foi sua paixão obcecada e naquele momento não correspondida. A paixão muitas vezes é possessiva, não concede tréguas e não aceita o “não” como resposta. Aquilo que se sente não pode ser desprezado e pisoteado pelo outro. Penso que, o ato de matar o ser “amado” é um desejo (obscuro) também que junto com ele se vá o sentimento que o aprisiona.

Se procurarmos, iremos encontrar inúmeros casos análogos, de consequência também trágica. Na literatura e na dramaturgia essas histórias tidas como histórias de amor já foram contadas, como em Tristão e Isolda ou na celebre obra shakespeariana de Romeu e Julieta (1591/1595). Aquele drama, sugere que a morte daquele jovem casal foi porque o sentimento de um pelo outro era maior que todas as intrigas e diferenças familiares, e nem a morte os iria separar. Se houvesse o aceite das famílias e se casassem, criassem filhos, talvez compreendessem mais as condições do mundo e não iriam se matar quando um ou outro morresse por morte natural. Na verdade, eles responderam com a própria vida os “nãos” que ela os impôs. Quem de nós um dia já não pôs a ponta da língua em algum veneno da paixão? Eles beberam.

O que me chama atenção nessas tragédias passionais são seus personagens: sempre jovens. Na imaturidade não sabem lidar com as derrotas e decepções. Como já havia dito em outro texto, essa fase da vida é onde mais nos atiramos nos precipícios e mais nos permitimos arriscar. Numa outra tese, asseguro também que, quando ficamos mais velhos e maduros, nos voltamos mais para nosso interior: tomamos remédios para doenças invisíveis, nos precavemos mais por sair à noite ao relento, procuramos alimentos mais saudáveis para o corpo e deixamos outros vícios. Assim, também cuidamos mais dos nossos sentimentos e por isso nos apaixonamos menos, sofremos menos desse “mal” ou aprendemos mais com a vida, como queira. Procuramos viver relações mais maduras, onde o bem partilhado é um sentimento livre, sem pressa e sem cobrança; onde a maior discussão com quem nos relacionamos é sobre qual o melhor filme de Almodóvar ou o melhor poema de Drummond. Nada mais a se preocupar ou se questionar.

Amor e paixão — muitos escritores, filósofos, pensadores já deram suas explicações colocando cada coisa no seu lugar. Serei simplista no meu modo de ver, direi que um é água e outro vinho, e transformar uma coisa na outra é o grande mistério. Transformar a água da paixão no vinho bom do amor é o passo seguro que iremos dar para uma relação com caminhar feliz. Na verdade, a maioria das relações fica somente na água da paixão e seca por aí. Há um escritor que disse que a paixão é mistura de um amor de intensidade máxima com um enorme medo. Possessão, obsessão, ciúmes, descontrole, medo são ingredientes que não cabem na receita do amor; esses são os piores temperos de quem se apaixona; e por tudo isto irá sofrer. Ninguém sofre por amor; sofremos por medo. O amor nos quer seguro, confortável e aconchegante no seu colo; ele também requer paz e harmonia para se permitir.

No poema do português Fernando Pessoa, anotado agora na minha agenda, diz: “Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?” Os poetas falam melhor por nós.

Um exemplo concreto do que ouvi sobre o amor veio também numa forma simples de um homem casado que um dia me contou algo que guardei comigo. De maneira natural e sem qualquer problema conjugal ou familiar, disse: “... o único amor que acredito é do de um pai para um filho e vice-versa”. Explicou: “Quando um filho morre, jamais iremos a um orfanato adotar outro, ou vamos procurar nossa esposa para 'encomendar' outro em substituição aquele. Quando um filho morre nosso amor vai junto, ele vira saudade eterna...”. Fiquei com essa analogia por anos e aqui partilho com todos. De fato, essa é uma bela explicação de amor. Simples, mas verdadeira.

Na relação que se acaba, o difícil é “virar esta página” — como sugere quem está de fora. Nesta hora a palavra é serenidade. Este é o segredo para sairmos sem arranhões. Sempre quando alguém vem me pedir socorro, a primeira coisa que me vem é: serenidade. Só quem não tem não sabe a importância dessa palavra nos dias de hoje. Quem tem serenidade tem paz, esperança, paciência, e espera o amor... Tudo que precisamos para passar as tormentas. Temei, apanhei, cai e me ergui, por fim aprendi a contar até dez e ser sereno. Já contei até mil também, é bom ser assim, pois não brigamos mais com o mundo e com ninguém. As pessoas serenas são mais fáceis de você lidar e decidem melhor. São boas ouvintes e quando falam colocam as palavras no seu devido lugar. Aprenderam por terem o coração e a mente decidindo juntos; ele agora apaziguado bate no seu ritmo, no ritmo de Deus.

Da paixão, como conhecemos e como muitas vezes fomos tomados, nos reservamos agora o direito de viver e deixar viver; respirar seus aromas sem o entorpecimento da insensatez. E dela, somente as palavras doces sejam guardadas como numa linda história de amor: “Direis que aquela luz não é da manhã... ainda não amanheceu. Foi o rouxinol e não a cotovia que vos gritou no ouvido. De noite, canta pousado naquela romãzeira. Acredita meu amor, foi o rouxinol...” (*).

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / julho de 2010.
(*) William Shakespeare – Romeo and Juliet – Ato III - Cena V

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Benvinda




O que mais me agrada nas músicas de Chico Buarque de Hollanda? Difícil dizer, poderia falar de várias, mas hoje vou compartilhar esta música do início de sua carreira (ele tinha 24 anos). Faz algum tempo descobri a grande sacada de “Benvinda”, sim, exatamente como ele escreveu: “Benvinda”, não é “Bem-vinda” (adj. saudação). Chico escreveu esta música para uma de suas mulheres, e não falou nada disso para ninguém. Até meu corretor de texto do Word quis corrigi-la. Imagina! Chico brincou com as palavras mais uma vez. A letra permite que você use as palavras nos dois contextos. Qualquer uma que se usar dará sentido: a saudação e a musa.
Esta apresentação, das mais memoráveis do acervo da nossa MPB, foi no IV Festival da Record de 1968. Chico de paletó listrado ladeado pelos competentes “meninos” do MPB-4, quem toca violão ao lado é Toquinho. Chico faturou o terceiro lugar. Ahhhhhh, infelizmente eu não pude estar lá.

BENVINDA
(Chico Buarque de Hollanda - 1968)

Dono do abandono e da tristeza
Comunico oficialmente
Que há lugar na minha mesa
Pode ser que você venha
Por mero favor
Ou venha coberta de amor
Seja lá como for
Venha sorrindo, ai
Benvinda
Benvinda
Benvinda
Que o luar está chamando
Que os jardins estão florindo
Que eu estou sozinho

Cheio de anseios e esperança
Comunico a toda a gente
Que há lugar na minha dança
Pode ser que você venha
Morar por aqui
Ou venha pra se despedir
Não faz mal
Pode vir até mentindo, ai
Benvinda
Benvinda
Benvinda
Que o meu pinho está chorando
Que o meu samba está pedindo
Que eu estou sozinho

Venha iluminar meu quarto escuro
Venha entrando como o ar puro
Todo novo da manhã
Venha minha estrela madrugada
Venha minha namorada
Venha amada
Venha urgente
Venha irmã
Benvinda
Benvinda
Benvinda
Que essa aurora está custando
Que a cidade está dormindo
Que eu estou sozinho

Certo de estar perto da alegria
Comunico finalmente
Que há lugar na poesia
Pode ser que você tenha
Um carinho para dar
Ou venha pra se consolar
Mesmo assim pode entrar
Que é tempo ainda, ai
Benvinda
Benvinda
Benvinda
Ah, que bom que você veio
Que você chegou tão linda
Eu não cantei em vão
Benvinda
Benvinda
Benvinda
Benvinda
Benvinda
No meu coração.


@publicado por Antonio

terça-feira, 6 de julho de 2010

A Era Felipe Melo - o silêncio das vuvuzelas



Pronto, acabou mais uma Copa para nós. Recolham as bandeiras, guardem as camisas no armário, calem as vuvuzelas e voltem à rotina e só daqui a 04 anos. Como em de 2006, saímos nas quartas de final. Desta vez o nosso judas e culpado foi Felipe Melo; ele é o Roberto Carlos de 2010, embora não tenha “ajeitado o meião” na hora do gol, mas foi incompetente em “ajeitar” uma bola para dentro das nossas redes, ou como se diz em Portugal: fez um auto-gol. Para completar entrou covardemente com as travas da chuteira na coxa do holandês Robben e foi expulso. Depois na entrevista, com os olhos secos, disse que não foi maldoso – havia mais de 30 câmeras para registrarem a cena. Durante o jogo, se salvou quando teve um lampejo de Gerson ao dar o passe para Robinho marcar o único gol do Brasil, mas no minuto seguinte voltou a ser o que é: Felipe Melo.

Sempre assim, depois dos fracassos procuramos os culpados. Depois de tantos elogios durante a Copa de 1982 e com o gol que marcou contra os Argentinos, Junior foi o culpado por não marcar Rossi no último gol da Itália; antes Cerezo havia sido culpado por cruzar uma bola na nossa defesa na presença do próprio. Mesmo quando jogamos como verdadeiros artistas, como em 1982, também deixamos cair um pouco de tinta no quadro e manchamos a tela, estragamos tudo. Futebol é feito dos seus detalhes e um erro pode custar anos de preparação.

Foi lembrado por um cronista que, futebol de Copa é atípico, jogamos uma competição onde temos que provar que somos os melhores naquele mês, talvez no mês seguinte não consigamos praticar o mesmo futebol e não alcançamos o mesmo êxito. Não há como dizer que houve progressão de um time ou outro e muitas vezes nem sempre os melhores ganham; muito diferente de um campeonato brasileiro, por exemplo. Os alemães sabem muito bem disso. Salvo esta Copa, sempre tiveram um futebol sem brilho, mas com eficiência para jogar sete jogos.

As lições dessa Copa ficaram patentes e lembraremos no futuro como o fim da Era Felipe Melo, creio. Não querendo crucificá-lo pela derrota, mas seu nome será lembrado, pois o mais desinformado torcedor sabia do mal que ele poderia nos causar pelo seu futebol de pouco talento e seu destempero emocional. Somente seu treinador não via isso. Dessas lições tiro algumas.

Não adianta aquartelar jogadores e colocarem debaixo das Leis Dunguianas. Isso não resolveu e nunca irá fazer ganharmos títulos, pelo contrário, preservando e restringindo demais o ambiente deixa o jogador inseguro e depois não tem reação nos momentos de adversidades, com o placar adverso. Faltou passar aos jogadores na concentração o filme “Desafiando gigantes” - 2006, uma bela obra e com bons exemplos de como ganhar uma competição.

A segunda lição importante a lembrar para 2014 é que a Copa sendo uma competição curta de sete jogos, há que se convocarem quem está melhor no momento e não que é nosso amigo, digo, amigo do treinador, fiel a ele. Balela. A Alemanha levou os seus “meninos da vila”: Özil e Müller, ambos com 20 anos de idade e nunca jogaram uma Copa. Müller foi convocado na partida do time para a África do Sul, ele veio para substituir o maestro do time Ballack. Tem sido um dos melhores da Copa. Portanto, para 2014 rasguem esta regra.
Outra lição é que ao se trabalhar um time para uma competição deve-se também entender como está o estado psicológico de cada jogador e tentar colocar todos num mesmo padrão de autocontrole. Na partida contra a Holanda houve um momento em que Robinho é flagrado aos berros com um jogador holandês. O quê fez o holandês ao receber os gritos de Robinho? Manteve-se na sua posição, calmo, não entrou no clima do brasileiro. Assim ajudou o seu time a virar o placar. Após o segundo gol era nítida a frustração dos jogadores, pareciam sem reação.

Por ultimo, nós precisamos deixar de pensar que somos ainda os melhores do mundo, e que não devemos nos preocupar com quem enverga a camisa adversária. Do outro lado também há bons jogadores e por isso devem ser respeitados e marcados, assim como eles marcam os nossos jogadores principais. No jogo contra a Holanda era premissa ter que marcar o Robben (11) e o Sneijder (10). A tática dunguiana ignorou os dois jogadores e eles decidiram.

Em 1968, quando o Maracanãzinho em pé gritava “é marmelada, é marmelada”, por não aceitar que a música de Vandré não estava na final daquele festival, ele foi ao microfone e disse: “A vida não se resume em festivais”. É isso aí, eu também digo: “A vida não se resume em Copa do mundo”. Que a Era Felipe Melo seja sepultada e com ela este futebol pragmático; de quebra que vão também essas malditas vuvuzelas, passem logo esses anos e até 2014. Bola para frente.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / julho de 2010.