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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Um Bocejo de Deus



O filme AVATAR — James Cameron (2009) — acumulou, até então, a maior bilheteria da história cinematográfica. Quiçá, o público não tenha se identificado tanto com mais um filme de ficção, pois o conteúdo explorado vai além dos efeitos especiais e figurinos. O que chama atenção no filme é extremismo a que chega a raça humana; com suas mazelas e explorações. A mensagem é passada sem metáforas, ficando bem clara ao público mais antenado. Em síntese, discorre sobre povos de uma galáxia que lutam para defender seu habitat e seu patrimônio da tirania do homem, aquele do planeta Terra. Este, por fim, só quer explorar e retirar do planeta invadido um minério raro unobtanium, que pode ser a chave para solucionar a crise energética da Terra. Bela teoria, se não tivesse um pouco de verdade em tudo, ainda mais por saber bem de quem estamos falando: nós, seres humanos.
Desde as viagens das Apollos — década de sessenta — uma pergunta sempre me perseguiu e creio que muitas outras pessoas: há vida além da terra onde pisam nossos pés? Na minha adolescência li o livro “Eram os Deuses Astronautas?” (1968) — Erich Von Däniken. Fiquei instigado quando vi na TV uma matéria sobre as teses defendidas pelo autor. Embora nunca ninguém tenha provado nada, mas aquilo em acompanhou durante muito tempo. Fiquei ávido que devorei o livro em dois dias. De onde viemos? Para onde vamos? Onde está Deus nesta história? No romance de Erich não há respostas concretas, somente perguntas e constatações.

A NASA (National Aeronautics and Space Administration) desde a sua fundação (1958), tem promovido avanços em suas pesquisas espaciais e seu mais recente desafio é a construção em conjunto com outros países, da Estação Espacial Internacional. Bem, os objetivos dessa corrida espacial como apregoam, com seus gastos exorbitantes, nunca ficou tão claro para mim e acho que para grande maioria. Querem o quê com isso? A mim só tem uma resposta: levar todo mundo para morar “lá em cima”. Elaborar um plano “B” para nossas pobres e miseráveis vidas.

Sempre quando via fotografias de Marte publicadas na imprensa ou na Internet, sentia um gosto amargo e frustrado, e agora sei o por quê. Nenhuma dessas fotos revela que há vida: gente, animais, cidades, florestas, assim como aqui. Até nosso planetinha tem vida, por que não há de ter em Marte? Sei, aí, já me disseram que há outras dimensões de matérias (vida), ou seja, muita coisa para minha cabeça entender. A última que li sobre o planeta foi: HÁ ÁGUA EM MARTE! Não queria só encontrar água, quero vida e de preferência melhor que a nossa. Gente que viva e respire amor às pessoas e ao planeta onde habita; quero uma saída para nós. Construir e morar numa nova estação em outra galáxia ou em outro planeta seria um sonho, uma obra de ficção. Imaginando assim: nós mudaríamos de “bairro” e começaríamos uma nova vida em outro lugar onde ninguém nos conhece. Sairíamos do nosso cortiço passando para uma cobertura duplex. Assim, os 6,5 bilhões de homenzinhos pegariam suas naves particulares com suas mudanças: cachorro, galinha e papagaio e iriam habitar em outra galáxia. Aqui não dá mais pé.

Para! Claro, são devaneios e utopias da minha cabeça. Como sair daqui? Como habitar em galáxias desconhecidas? Esqueçam e parem de sonhar comigo. Não, há outra saída. Temos que resolver tudo por aqui mesmo, no nosso chão. Podemos mudar sim! A condição humana; e começamos acabando com o egoísmo, a pobreza, arrogância, corrupção, a fome.

Sinto necessidade de dizer: o mundo anda muito estranho há tempos, digo, a raça humana anda mal. Corrupção, egoísmo, guerras, mais corrupção, desgovernos, drogas, lixos, desmatamentos, aquecimento global. Ufa! Há muita destruição na terra. Alguém tem que por um freio nisso. A natureza, sábia que é,  tem dado os sinais e mostrado que também não é nem um pouco boazinha conosco. Quando ouço falar em enchentes, terremotos, maremotos, tsunamis fico pensativo: está aí a natureza se manifestando, e quais são nossas verdadeiras culpas? As coisas têm acontecido de maneira sistêmica, e todos já começam a olhar as tragédias, sei lá, como uma chuva passageira de verão —  logo vai passar. Não lhe dão a importância que deveria, e nem querem imaginar o significado de tais acontecimentos. Para mim, penso que nada é por acaso.

Ponho os dois pés no chão e digo que não quero alimentar a vã esperança que a NASA irá nos levar para habitar em Pandora; e não haverá meios de chegarmos até lá, pois ficaremos “Perdidos no Espaço” — lembrando um filme da minha infância. Quero continuar a viver aqui e pensar um mundo melhor com esta gente mesmo, de carne e osso; uma gente com um pouco mais de humanidade e de alma.

Olhando para este mundo incrédulo e que sente prazer em se destruir, coloco: E se Deus de fato existe? E se Ele anda muito irritado conosco? Em menos de três meses a terra tremeu no Haiti, Chile, Turquia, México e agora na China. Cidades destruídas e populações dizimadas. Diante dessas tragédias — não tão corriqueiras em outros tempos — invoco o meu lado espiritual, me volto e concluo: Deus existe! E talvez esteja realmente cansado de nos dar chances e tempo para acordarmos; de erguermos tudo que botamos abaixo e começarmos tudo em Gênesis, no princípio. Contrário, então sentaremos e esperaremos que a NASA nos salve dessa como num verdadeiro filme de ficção.

Toda vez que uma placa tectônica se movimenta por quilômetros, para mim é como um bocejo de Deus. Ele, de fato, anda cansado de nós.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / abril de 2010.

Jardins da Infância



A voz da criança sussurra em meus ouvidos. Ela está aqui soprando suas canções e palavras ternas: vamos brincar de viver! Foi lá que pintei minhas melhores obras de arte; foi lá que colhi as minhas estrelas; foi lá que deixei meus diamantes enterrados. Nos jardins da minha infância eu volto todos os dias, encontro meus tesouros e tudo o que me posiciona forte diante da vida.

Faz pouco tempo, troquei e-mails com uma amiga estimada. Em seus desafogos, falava de resgate, de busca do (seu) elo perdido e de como aprender a descascar laranjas sem cortar os dedos. Em meio àquelas palavras guardei uma frase: “tudo que eu aprendi está lá no montinho de areia do jardim da infância e não no topo da montanha...”. Depois que li aquilo me peguei debruçado na janela da minha alma. Nossa! Quanta caminhada até aqui, quantas montanhas subimos e o que somos? Um punhado de conceitos e de lições que aprendemos no raiar de nossas vidas, lá na nascente do rio.

Contudo, é comum negarmos tais aprendizados e acharmos que desbravamos nossos horizontes nas páginas dos livros do colégio ou na cadeira da faculdade. Até que um dia, num piscar de olhos, nos deparamos sentados na poltrona do psicanalista, e como disse Vinicius de Moraes: e isso é pior que o infarte.

Padre Fábio de Melo é hoje no país um dos palestrantes mais requisitados e assistidos, (embora não tenha por ele grande apreço e fico na interrogação). De família humilde e pobre, não há como negar o quanto deve ter se aprofundado nos estudos para chegar onde está; e com toda riqueza que traz no seu bojo: a palavra de Deus. Ele é uma evolução dos padres pop star, pois, além de cantar, escrever, sabe explanar bem, tudo que inegavelmente é bom de ouvir. Mesmo assim ainda lhe sobram atributos, pois para outras de suas seguidoras ele é simplesmente Lindooo!

Numa dessas palestras, ele contou uma história que me chamou atenção. Contava sobre uma passagem de sua infância, aonde ele vai com sua mãe a uma sacaria comprar arroz - para que não sabe, nas cidades pequenas, sacaria é o local onde se compra cereais a granel. Chegando lá, sua mãe perguntou ao proprietário quanto custava o quilo daquele arroz mais quebradinho, ou seja, o arroz de terceira categoria. Com alguns contos de réis, ela pediu que pesasse cinco quilos que iria levar. Enquanto separava o arroz num saco de papel, o homem quis saber se era para dar à criação. De prontidão ela respondeu: “não, é para comermos mesmo...”. A criança ali ao lado morreu de vergonha. Não há como negar que aquela cena foi uma porçãozinha de areia que caiu no seu montinho; e se não houvesse tanta riqueza na sua vida, tal imagem já estaria apagada da sua mente.

Não temos noção, mas quando nossas mãozinhas pequenas colocavam mais areia no montinho, era mais uma lição que nunca mais esqueceríamos. Tais ensinamentos nos são dados, mesmo quanto por um instante sentimos vergonha até da vida. Depois mais tarde, já dentro do seminário, ele teve coragem de contar este episódio que durante anos o envergonhou.

Reconheço que não tenho boa memória para lembrar fatos da minha infância. Diferente de um primo que é um verdadeiro Forrest Gump para contar histórias. Algumas dessas parecem comuns a todos nós, mas lembro, por exemplo, quando meu pai me levava junto com meus irmãos cortar cabelo. Para mim era um martírio, pois demorava, com a barbearia sempre cheia. Enquanto esperava a minha vez, sentava na soleira com os pezinhos na calçada e ficava ali contando carros e vendo o entra-e-sai de gente nos ônibus que paravam no ponto. Quando finalmente me chamava, eu era colocado numa tábua apoiada nos braços da poltrona — minha pequenez era demais pra ficar sentado na poltrona, sem exigir da coluna do barbeiro. Não sei por que razão me dava sempre um acesso de riso, quando me via no espelho com aquele manto branco que cobria meu corpo todo. Talvez me achasse lindo demais, um super-herói... É claro, ria de soslaio, para não chamar atenção do barbeiro. Depois, saíamos dali todos com o mesmo corte de cabelo — aquele do topetezinho.

Foi nessas remotas viagens, construindo meus montinhos de areia, que veio uma das melhores imagens da minha infância. Era tarde de um domingo, presumo, meu pai nos levou a um churrasco da fábrica onde trabalhava. Chegando lá deparamos com uma multidão, e como não havia organização, nós não conseguimos comer um naco de carne sequer. Depois de algumas vãs tentativas, fomos embora frustrados e com a boca cheia d’água.

Já em casa, ao ver aquele abatimento geral, meu pai pediu para um dos meus irmãos fosse até o mercadinho próximo comprar: pão, mortadela e guaraná. Que alegria! Minha paixão por um guaraná era tão grande, que para dar a sensação que aqueles goles nunca iriam acabar fazia um furo na tampinha da garrafa. Assim, demorava, demorava... O guaraná daquela noite não era aquele que, nas poucas vezes que entrava em casa, era compartilhado com outros irmãos. Desta vez meu pai pediu para comprar um guaraná para cada. Já ia noite adentro quando fizemos aquela ceia com todos reunidos à mesa. Aquele gosto do churrasco entalado foi embora, o que sentíamos agora era um gosto bom de amor e de ternura. Meu pai não podia nos dar o paladar do apetitoso churrasco, mas o pão com mortadela e guaraná era o melhor que ele podia fazer por nós naquela noite. Reconheci. Devo ter tido ceias mais ricas ao longo da vida, mas nenhuma teve o sabor e os valores que essa deixou marcada na minha alma. Definitivamente, meus diamantes foram ali enterrados, guardados.

Encontraremos mundo afora, pessoas com notoriedade ou não, contando outras histórias de vida singela; de caminhos difíceis, carregando pedras e subindo topos de montanhas. Malgrado, para alguns, o sucesso alcançado faz esmaecer da memória as cores do arco-íris que só nossa infância nos permitiu embevecer. Que pena. Por outro lado, há aqueles que corajosamente abrirão suas gavetas, com seus anjos e monstros, sem dor ou medo da vida que em si guardou. Com certeza, esses serão adultos bem melhores e verão a vida sempre mais bela, em multicor.

Ainda hoje nas minhas idas semanais ao supermercado, sempre me lembro de não faltar mortadela. O cheiro e o sabor ainda continuam como naquela noite do meu jardim da infância, onde verdadeiramente eu aprendi.
© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / março de 2010.

O reconhecimento do amor

Ao longo dos séculos, a humanidade caminhou em busca de decifrar os sinais e os mistérios da vida: Deus, morte, alma, códigos, escritas, dogmas e sentimentos. E não há dúvida, já no século 21, que o amor ainda é uma grande dúvida para o homem. O que nos faz amar? O que nos faz odiar? Por que sofremos por amor? Por que se mata por amor? Mas por outro lado, também não temos dúvida que o amor está em todos nós (lobos e cordeiros). Que somos capazes desse amor. Deus nos fez para o amor. Deus é amor. E contra tudo lutamos para que o amor floresça.

Os vazios da alma, que nos atormentam pela vida, muitas vezes, são reconhecidos pela ausência desse amor. Ansiamos encontrar um amor para vida toda, um sentimento que nos preencha este “buraco” da alma para sempre, como se todos os sentidos da vida se encontrassem neste fim: o Ser completo.

Nessa busca, esquecemos de pedir a esse poder divino que também sejamos amados na mesma frequência. E como saber quando estamos diante do amor eterno? Outro enigma. O amor não é uma coisa que se aprende lendo em receitas de livros de autoajuda. Amar se aprende amando (já li isso...), e é repetido num exercício diário de gestos e palavras. Tem-se aí um caminhar dessa jornada que irá passar por renúncias, resignações, entregas, doações, autoconhecimento, amadurecimento e transformações.

De fato, quando uma relação se encontra no amor, é porque houve um tempo de condensação dos objetos do amor. O amadurecimento — e aí precisamos do tempo para esse aprendizado —, é uma das passagens mais importantes da nossa vida para este encontro.

Na relação, amadurecer é algo transformador e que se constrói junto. Quando um lado amadurece mais que o outro as mãos ficam distantes para se darem. Não sou psicanalista, mas as coisas vividas me dão compreensão desses movimentos, e aqui afirmo: não haverá relação numa forma egoísta, com o amor penso para um dos lados, como uma balança sem fiel. O passivo quer receber, mas não sabe dar. Este lado — por que não saber amar — irá se irritar com outro que só sabe dar. Sua irritação é uma manifestação do seu eu interior, de não corresponder com amor ao amor que recebe. O que dá, um dia vai se cansar de dar e vai chegar o momento em que irá cobrar, mesmo que discretamente, sem perceber. Quando a resposta não vem em gestos de amor, e a comunicação não tem amor, a relação caminhará para o fim.

Um escritor, certa vez, escreveu que o ponto de encontro da relação está na justiça. Por que justiça? Onde há justiça, há também o entendimento, a trégua. As pessoas não dão certas porque uma aperta a pasta de dente em cima e o outra embaixo ou porque o marido esquece de apagar a luz do cômodo quando sai e a mulher se irrita. Elas não seguirão juntas pela vida se não forem justas uma com a outra. Muitos homens e mulheres já viveram relações assim, onde um lado está maduro para amar e o outro ainda não sabe nem sequer reconhecer e preservar o amor recebido — regado. Mais tarde, estes "egoístas  do amor" irão se envergonhar de si, pois no fundo não sabem diferenciar um gesto de amor de uma joia recebida no aniversário. Há que ser justo no amor para ter vida eterna em si.

Só merece o amor quem reconhece no outro o amor, quem percebe a grandeza do coração que dá. E o reconhecimento começa com o olhar para dentro de si. Saber reconhecer é o primeiro ato para amar, para colocar a justiça em prática. O primeiro exercício é o reconhecimento do amor que brota no outro.

A humanidade viajará outros séculos para decifrar esses assuntos, pois o ser humano vive em constantes mutações. Muitas vezes escolhemos deixar uma relação, amando. É quando tudo se exauriu e a voz rouca daquele que ama deixou de ressoar por suas repetições: — vamos nos amar! Então, é preciso deixar que o outro se vá, caminhe e ouça somente seu íntimo, a voz que vem de dentro do seu coração. Pode demorar, mas um dia aprenderá. 

 © Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / fevereiro de 2010.